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PL do Aborto: Câmara ensaia recuo; OAB admite ir ao STF

Ante as críticas nas redes sociais e os protestos pelo país, defensores da proposta admitem que votação pode ser adiada. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil avalia recorrer ao Supremo contra o texto

O documento aprovado foi elaborado por uma comissão formada por cinco conselheiras federais da OAB -  (crédito: Raul Spinassé)
O documento aprovado foi elaborado por uma comissão formada por cinco conselheiras federais da OAB - (crédito: Raul Spinassé)

Após a reação popular contrária ao Projeto de Lei (PL) 1.904/2024, que equipara o aborto feito após a 22ª semana de gestação ao homicídio simples, a matéria deve ficar na gaveta e não ser pautada no plenário da Câmara. Segundo fontes ouvidas pelo Correio, neste momento, o texto deve ser encaminhado à relatoria, que ainda será escolhida, e, se chegar a ser analisado pelos deputados, será somente no fim do ano, após as eleições municipais. Já o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fechou questão contra a proposta e admite questionar o Supremo Tribunal Federal (STF), caso sua tramitação avance.

A aprovação do requerimento de urgência na Câmara — por meio de uma votação relâmpago que durou 23 segundos — causou grande comoção social. Nesse fim de semana, ocorreram diversas manifestações contra o projeto, e o principal alvo da indignação popular foi o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) — um dos autores e principal defensor do projeto — admitiu que a votação poderá ficar para depois das eleições municipais. "A votação da matéria em plenário terá o ano todo (para ocorrer)", disse ao jornal O Globo.

De acordo com o deputado, o projeto é uma promessa feita por Lira, quando se candidatou à reeleição em 2023, e o cumprimento dela está vinculado agora ao apoio para a eleição de um sucessor. O assunto será tema de reunião, hoje, do presidente da Câmara com os líderes partidários.

Já o Conselho Federal da OAB aprovou um parecer que declara inconstitucional o Projeto de Lei (PL) 1.904/2024. O relatório da comissão formada por cinco conselheiras federais foi apresentado e votado pelos 81 integrantes do colegiado.

A comissão declara que o projeto é "desconexo" da realidade por criminalizar as mulheres que abortam, em vez de protegê-las de crimes sexuais, e pede o arquivamento da proposta.

A presidente da comissão, Silvia Souza, ressaltou que, "tendo em vista que a proposta padece de inconvencionalidade, inconstitucionalidade e ilegalidade, manifestamo-nos pelo total rechaço e repúdio ao referido projeto de lei, pugnando pelo seu arquivamento, bem como a qualquer proposta legislativa que limite a norma penal permissiva vigente, haja vista que a criminalização pretendida configura gravíssima violação aos direitos humanos de mulheres e meninas duramente conquistados ao longo da história".

Por sua vez, o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, destacou que a decisão da entidade não levou em conta debates sobre preceitos religiosos ou ideológicos e que o parecer é exclusivamente técnico, do ponto de vista jurídico.

"A OAB entregará esse parecer, aprovado por seu plenário, como uma contribuição à Câmara dos Deputados, instituição na qual confiamos para apreciar e decidir sobre este e qualquer outro assunto", afirmou.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou, nesta segunda-feira, que não existe ambiente para votar o projeto. "Eu acredito, pelo que eu ouço dos líderes, que não tenha clima. Nunca houve compromisso, não só do governo como de vários líderes, para votar o mérito", frisou.

Segundo Padilha, "o presidente Lula reafirmou as posições dele, do que ele já falou publicamente". "O pleito das lideranças religiosas é de não mudar a legislação atual sobre aborto. Esse compromisso do governo está reafirmado. Vamos reafirmar o papel tanto dos líderes, de não prosseguir a tramitação, quanto na votação do mérito desse projeto", acrescentou.

No sábado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfatizou que é "insanidade querer punir uma mulher vítima de estupro com uma pena maior que um criminoso que comete o estupro".

Pacheco irritado

A sessão temática no plenário do Senado para debater a assistolia fetal, nesta segunda-feira, teve encenação e simulação da técnica. A prática consiste na aplicação de um composto químico para interromper os batimentos cardíacos do feto ainda no ventre da mulher. É um procedimento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para gestações de mais de 22 semanas.

Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) impede a realização desse procedimento por considerá-lo cruel, mas uma decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes, do STF, derrubou a medida.

A sessão foi convocada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE). O objetivo, segundo ele, era discutir com médicos, parlamentares e lideranças o PL do Aborto, mas apenas movimentos contrários à interrupção da gravidez participaram.

Girão alegou que a ministra da Saúde, Nísia Trindade, foi convidada, porém não compareceu nem recusou o convite. O Ministério da Saúde informou, porém, que a ausência da titular da pasta foi comunicada formalmente à Casa Legislativa em 13 de junho. Justificou incompatibilidades na agenda.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), demonstrou irritação com a sessão, por não incluir quem é contrário ao projeto. Ele avisou que futuros eventos devem levar em consideração todas as correntes de pensamento, além de critérios técnicos, científicos, a própria legislação vigente e, sobretudo, as mulheres senadoras.

Na sessão temática, houve explanação sobre a técnica do aborto, a discussão de hipóteses a respeito da interrupção de gravidez e o detalhamento da assistolia fetal. O deputado Zacharias Calil (União-GO), cirurgião-pediátrico, simulou a técnica em um boneco.

A sessão também teve uma performance da contadora de histórias Nyedja Gennari, falando de aborto sob a "perspectiva" do um feto.

O presidente do CFM, Hiran Gallo, afirmou que a resolução de abril de 2024, que proíbe a assistolia fetal, é uma questão de ética médica, pois o método produz sofrimento ao feto. (Com Agência Estado)

*Estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa

 

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postado em 18/06/2024 03:55
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