Com 35 anos de carreira na instituição, o procurador- geral de Justiça Jarbas Soares Júnior, de Minas Gerais, assume, hoje, em Brasília, a presidência do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG). Para ele, atuação do MP e a política não são compatíveis, uma conexão que ficou evidente depois que vieram à tona os equívocos da Lava-Jato — uma “ressaca” que ainda não foi superada. “Os erros ficaram mais evidenciados depois que o então juiz da operação (Sergio Moro) foi ocupar função em governos (tornou-se ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, pré-candidato à Presidência da República e, atualmente, é senador pelo Paraná)”, lembrou Jarbas, para acrescentar: “Isso mostrou que o Ministério Público tem que fazer uma reflexão sobre seus atos e consequências”. A seguir, os principais pontos da entrevista ao Correio.
A Lava-Jato esteve no centro de inúmeras polêmicas, inclusive, sobre a atuação do Ministério Público. Qual o efeito disso sobre a imagem do órgão?
Presido, agora, o Conselho Nacional com as vice-presidências, com os demais procuradores- gerais, e estamos nessa fase pós-operação. A Lava-Jato foi o apogeu do modelo que vivemos, com seus erros e acertos. Os erros ficaram mais evidenciados depois que o então juiz da operação foi ocupar a função em governos. Isso também mostrou que o Ministério Público tem que fazer uma reflexão sobre seus atos e consequências. Temos que combater a corrupção econômica, a corrupção política, os efeitos nefastos das atividades indevidas. Mas temos que agir com inteligência. Não podemos, por exemplo, emparedar os tribunais. Temos que convencê- los e conquistá-los, sem criar mocinhos e bandidos.
O senhor é muito firme sobre os erros e os acertos do MP. É importante ter clareza sobre isso?
Se não fizermos uma mea culpa a respeito dos nossos erros, não vamos corrigi-los. O ministro (do Supremo Tribunal Federal) Sepúlveda Pertence dizia que as ações do MP são mais dos seus acertos do que dos seus erros, que existem. Mas, às vezes, nós sobretudo, por decorrência da Lava-Jato, cometemos alguns erros e, talvez, na ânsia de fazer o melhor. Então, estamos vivendo essa ressaca. Mas acho que, em breve, tudo isso se estabiliza. Algumas legislações foram mudadas, a meu ver, para melhor. Como, por exemplo, a Lei de Improbidade Administrativa. Há uma mudança em curso e estamos vivendo ela.
Qual é sua visão sobre membros do MP ocuparem cargos em governos e nos legislativos?
Essa situação aconteceu. Hoje, quem está no Ministério Público, não pode ocupar cargo público. Se tiver esse desejo, tem que deixar o MP. E nem pode usar o Ministério Público com essa finalidade. Nem ele nem os atores externos. O MP é uma instituição que tem que ser cuidada e preservada. Esse é o grande papel que o Conselho Nacional do Ministério Público tem. E vamos trabalhar, nesse período em que sou presidente, junto aos colegas para caminharmos na linha. Não digo correção de rumo, mas, agora, no rumo certo, a partir das experiências boas e negativas que tivemos.
O senhor ocupa o cargo até dezembro deste ano. Em apenas seis meses, qual é seu maior compromisso na função?
É o órgão da política institucional mais importante, porque faz a integração entre os ministérios públicos do Brasil para discussões e assuntos que permeiam todos os estados e a União, no que se refere às atribuições do MP. Pretendemos fortalecer a marca como representativo do Ministério Público, integrar as regiões, acabar com regionalismos que prejudicaram muito o Conselho Nacional. Teremos um diálogo com Conselho Nacional do Ministério Público, com o Conselho Nacional de Justiça, com o Congresso, com o STF, com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e com o Tribunal Superior do Trabalho (TST). O Brasil é muito diverso e as regiões são diferentes, mas temos muitos pontos em comum para trabalhar. Um desafio grande é o processo eleitoral com desinformação, com capacidade de desvirtuar a vontade do eleitor. Isso é um ponto importante que o conselho estará ao lado do procurador- geral eleitoral (Paulo Gonet) e, também, na questão das mudanças climáticas.
Qual é a importância desse cargo para a categoria?
Passamos 35 anos, desde a Constituição, litigando muito, propondo mais ações. Sobretudo depois da Lava-Jato, apogeu desse modelo com acertos e equívocos — que ficaram mais claros depois —, que permitiuse ao Ministério Público uma reflexão do que estava se encaminhando. Ainda estamos passando por esse período, mas, hoje, estamos mais focados em resultados do que em processos. Isso é uma grande mudança de paradigma. O conselho consegue, por meio dos seus grupos nacionais e comissão, fomentar essa ideia de um Ministério Público mais unido, mais integrado e voltado mais para os resultados.
No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dispensou a lista tríplice, elaborada pelas entidades de classe, para escolher o procurador-geral da República. Como o senhor analisa tal gesto?
Isso tudo vem da ressaca da Lava-Jato. O Ministério Público Federal cometeu, em geral, muitos erros nesse período — na verdade, setores do Ministério Público Federal e não o MP como um todo. Houve uma reação política. E, para nós, no atual momento, a conservação do modelo da Constituição é o que podemos ter. Acredito que passado esse momento, com trabalho equilibrado, sereno e firme teremos espaço para voltar a discutir a possibilidade da lista tríplice. Temos de ser muito firmes com relação aos atos de corrupção e buscar solução para os erros. Estávamos criminalizando os erros e o papel do Ministério Público é corrigir. Errar, juiz erra, promotor erra. É preciso separar bandidos das pessoas que estão trabalhando para o desenvolvimento do país.
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