Análise

Roberto Brant: mudança política e mudança climática

"Uma pessoa razoável não pode ter dificuldades em perceber que a ação do homem é uma grande causadora das pressões que se abatem sobre o nosso ambiente. Somos hoje 9 bilhões de pessoas", adverte o articulista

 Men wade through a flooded street in the Sarandi neighborhood, one of the hardest hit by the heavy rains in Porto Alegre, Rio Grande do Sul state, Brazil, on May 27, 2024. Cities and rural areas alike in Rio Grande do Sul have been hit for weeks by an unprecedented climate disaster of torrential rains and deadly flooding. More than half a million people have fled their homes, and authorities have been unable to fully assess the extent of the damage. (Photo by Anselmo Cunha / AFP)
      Caption  -  (crédito:  ANSELMO CUNHA/AFP)
Men wade through a flooded street in the Sarandi neighborhood, one of the hardest hit by the heavy rains in Porto Alegre, Rio Grande do Sul state, Brazil, on May 27, 2024. Cities and rural areas alike in Rio Grande do Sul have been hit for weeks by an unprecedented climate disaster of torrential rains and deadly flooding. More than half a million people have fled their homes, and authorities have been unable to fully assess the extent of the damage. (Photo by Anselmo Cunha / AFP) Caption - (crédito: ANSELMO CUNHA/AFP)

Não é preciso ser um cientista para perceber que o clima em todas as regiões da terra está mudando e que essas mudanças põem em risco nosso modo de vida. Com o conhecimento que a humanidade adquiriu do fim do século 18 até agora, é possível distinguir com bastante acerto o que tem origem em causas naturais e o que é provocado pela ação do homem. Esse conhecimento nos dá o poder de intervir nesses processos, para mitigá-los ou para nos adaptarmos às suas consequências.

Hoje, no Brasil ou em qualquer democracia, a política divide as pessoas em quase tudo e, como não poderia deixar de ser, divide também quanto à questão ambiental. Se ninguém pode em sã consciência negar o fato das mudanças climáticas, uma grande parte das pessoas prefere acreditar que elas não têm relação com a ação humana e, portanto, não tem cabimento políticas ambientais que custam caro. É um ponto de vista desesperado que, levado às últimas consequências, nos manterá passivos até que as mudanças se tornem irreversíveis.

Se o negacionismo é mais presente na direita política mais radical, não é infelizmente sua exclusividade. A esquerda, com suas agendas de soberania e de desenvolvimento a qualquer custo, sem falar nos ressentimentos coloniais, não é capaz de dar passos efetivos no combate à mudança do clima. Seu discurso é politicamente correto, mas, na prática, ela tem outras prioridades.

Uma pessoa razoável não pode ter dificuldades em perceber que a ação do homem é uma grande causadora das pressões que se abatem sobre o nosso ambiente. Até a Revolução Industrial, a população humana foi sempre pequena para as dimensões da Terra. No primeiro ano da era cristã, a população mundial tem sido estimada em 188 milhões de pessoas, e 1.800 anos depois estava perto de 1 bilhão, um crescimento de cinco vezes em 18 séculos. Pouco mais de dois séculos depois, somos hoje 9 bilhões de pessoas.

Do tempo dos romanos até o fim do século 18, o padrão de vida se manteve estagnado, sem pressão da produção e do consumo sobre os recursos da natureza. De 1750 até hoje, a renda de europeus e norte-americanos multiplicou-se por 20 e a do mundo como um todo, 14 vezes. A explosão demográfica multiplicada pela explosão da renda em pouco tempo não tinha como não pressionar o ambiente natural em que vivemos.

Esforço financeiro

Deter a mudança do clima vai exigir um esforço financeiro gigantesco dos países e, para isso, será indispensável a concordância e a adesão das suas populações. Além disso, será necessário um nível inédito de cooperação internacional. O movimento ambiental e o relativo engajamento dos principais governos nas discussões do clima coincidiu com o fim da União Soviética e o relaxamento das tensões geopolíticas.

De lá para cá, o mundo reconfigurou-se à base de novos antagonismos e as tensões geopolíticas voltaram a ser tão fortes quanto antes. O ambiente para a cooperação e a repartição justa dos custos da transição parece claramente sombrio.

Olhando para a frente com realismo, é possível prever que os antagonismos geopolíticos não devem favorecer políticas ambientais nacionais de grande alcance, pois a palavra de ordem nas grandes potências e nos blocos econômicos é vencer a competição e prevalecer, qualquer que seja o custo. Os movimentos ambientalistas estão perdendo tração porque sempre preferiram atuar à margem das correntes políticas principais e, agora, enfrentam isolamento.

Desde que a questão ambiental entrou na agenda dos governos e de parte das sociedades, muito progresso foi feito e muita coisa foi evitada. A preocupação ambiental, no entanto, é ainda uma pauta dos governos e das elites. Para que o combate às mudanças climáticas, com todos os seus custos e sacrifícios, adquira a escala necessária, é preciso que as pessoas comuns sejam persuadidas. Para isso, o discurso da ordem e do medo deve ser substituído pelo de esperança. Todos precisam acreditar que com a ciência e a política, a mudança do clima é mais uma luta que os homens são capazes de vencer.

 

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postado em 03/06/2024 03:55