Em reunião com representantes do governo e familiares de vítimas da ditadura, integrantes da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) cobraram do Estado ações para o cumprimento da sentença judicial de 2010 que determina busca e identificação dos desaparecidos pelos militares durante os 21 anos de regime de exceção no Brasil. Foi cobrada também, como parte da decisão, a reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta no final do governo de Jair Bolsonaro.
A reunião, que ocorreu na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), chegou a ser interrompida porque os juízes da CIDH foram ao Palácio do Planalto se encontrar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O cumprimento da sentença foi um dos assuntos da conversa.
Também participaram do encontro no CNJ dirigentes do Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil), uma organização dos direitos humanos, e diversos representantes de órgãos do governo. A reunião foi fechada.
Familiares que estiveram no encontro elogiaram o resultado. Uma das autoras da ação que condenou o Estado a promover ações pela localização das vítimas da Guerrilha do Araguaia, episódio de resistência à ditadura que ocorreu nas décadas de 1960 e 1970 nas matas do Maranhão, Pará e Tocantins, Victória Grabois saiu satisfeita da reunião e afirmou ser a mais produtiva desde a sentença judicial.
"O balanço positivo. Essa foi a terceira audiência desde a decisão do caso, em 2010, e para mim foi a mais proveitosa, foi bastante produtiva para os familiares. Não tenho mais expectativa. Saí contente daqui. Se vai ter encaminhamento, vou ficar feliz. Nem espero mais nada. Não sou pessimista, se não nem estaria aqui. Sou uma otimista crítica. Faço tanta coisa. Mas não saí frustrada", disse Victória, que tem três familiares desaparecidos na guerrilha: o pai, Maurício Grabois, o irmão, André Grabois, e o marido, Guilherme Olimpio.
Lorena Girão Barroso, irmã de Jana Moroni Barroso, assassinada e desaparecida na guerrilha, também esteve no encontro e afirmou que, apesar das esperanças se apagarem com o tempo, viu nos representantes do governo um menor ranço autoritário, se comparado com reuniões semelhantes no passado.
"Acho que essa nova geração, e a própria orientação do governo sobre os crimes da ditadura, deu à AGU (Advocacia-Geral da União) uma nova forma de encarar esses delitos. Já não é aquela coisa de defender a União a qualquer preço. Agora é mais humanizado, digamos assim. E, assim, os argumentos para impedir o cumprimetno da sentença vão caindo por terra", disse Lorena Barroso.
Helena Rocha, co-diretora do Programa Brasil e Cone Sul do Cejil, relatou que foi cumprido o objetivo de demonstrar à CIDH que o Estado brasileiro não está cumprindo a sentença judicial.
"Conseguimos apresentar para a Corte o estado de descumprimento da sentença e ao mesmo tempo houve reconhecimento da urgência de algumas temáticas, como os danos irreparáveis da não identificação dos remanescentes ósseos sob tutela do Estado, a recriação dos espaços de localização de pessoas desaparecidas, como a Comissão de Mortos e Desaparecidos e o Grupo de Trabalho (GT) do Araguaia, e o posicionamento do Poder Judiciário de entendimento adequado da Lei de Anistia",
Criméia Almeida, também uma das autoras da ação, atuou na Guerrilha do Araguaia, foi presa e torturada grávida de sete meses pela ditadura.
Ela comentou o resultado da reunião com a CIDH. "A reunião foi a melhor que participei, sobre avaliação do cumprimento da sentença. E esperamos que tenha sequência, porque até agora está tudo a mesma coisa", disse.
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