PROJETO DE LEI

Especialistas criticam PL que proíbe pessoas em situação de rua em locais com abrigos

PL 1251/24 autoriza que fiscais removam "objetos que caracterizem estabelecimento permanente em local público". De acordo com ativistas pelo direito à moradia, medida não resolve problemas de pessoas em situação de rua e viola direitos

Um Projeto de Lei (PL) de autoria do deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) quer proibir que pessoas que estão em situação de rua continuem nas ruas caso haja vagas suficientes em centros de acolhimento. O PL 1251/24 autoriza que fiscais removam “objetos que caracterizem estabelecimento permanente em local público, principalmente quando impedirem a livre circulação de pedestres e veículos, tais como camas, sofás, colchões e barracas montadas ou outros bens duráveis que não se caracterizem como de uso pessoal”. 

Segundo a proposição, essas pessoas “não querem sair das ruas porque fizeram dessa via uma terra sem Lei”. O deputado afirma ainda que os cidadãos em situação de rua são um risco à segurança pública e que não querem ir para centros de acolhimento “por terem que se submeter às regras mínimas de convivência”.

O PL protocolado em 15 de abril ainda deve passar pelas comissões de Desenvolvimento Urbano (CDU), Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) antes de ser votada em Plenário.

De acordo com dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH), plataforma vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), há cerca de 221.113 pessoas em situação de rua inscritas no Cadastro Único distribuídas por 2.354 municípios no país. Em 2022, de acordo com o levantamento, havia 246 Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centros POP), espaço de atendimento para atendimento dessa população, espalhados por 218 municípios, menos de 10% do total de municípios com pessoas em situação de rua. 

Darcy Costa, coordenador do Movimento Nacional População de Rua (MNPR) e membro da Comissão Permanente Direitos da População em Situação de Rua do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), destaca que os espaços, como os Centros POP, apresentam uma série de problemas relacionados à falta de higienização correta e superlotação, além de, em alguns casos, ficarem muito distantes dos locais onde essas pessoas costumam trabalhar ou fazer atividades diárias.

“As pessoas não têm direito de ir e vir”, comenta. “Se ele sai do serviço naquele horário, ele não pode voltar. Se ele faltar três noites, ele já é cortado do serviço. Eles criam uma institucionalização e a pessoa fica institucionalizada de tal forma que vai perdendo a individualidade.” 

De acordo com Kataguiri, o objetivo do projeto é ponderar direitos. “De um lado, o direito de ir e vir da população de rua e, do outro lado, o direito de ir e vir dos cidadãos brasileiros que convivem com a insegurança diária provocada pela aglomeração de moradores de rua”, afirma, em nota ao Correio. “É preciso primeiro conhecer para depois criticar. Se existem problemas nos abrigos como foi citada a falta de higiene, eles podem ser resolvidos ou melhorados”, continua o texto. Leia nota do deputado na íntegra no fim da matéria

Políticas de moradia permanente são insuficientes 

A Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR) estabelece parâmetros para a qualidade dos centros. Segundo a lei, a implantação da rede de acolhimento temporário “deverá observar o limite de capacidade, regras de funcionamento e convivência, acessibilidade, salubridade e distribuição geográfica das unidades de acolhimento nas áreas urbanas, respeitado o direito de permanência da população em situação de rua, preferencialmente nas cidades ou nos centros urbanos”. 

Raquel Ludermir, Gerente de Incidência em Políticas Públicas da Habitat para a Humanidade Brasil, destaca que as políticas de assistência para pessoas em situação de rua devem ser um esforço multissetorial, que envolve políticas assistenciais, moradia e trabalho. “O PL está basicamente mudando o problema de lugar, ele está direcionando para os abrigos emergenciais, um problema que é de moradia (permanente)”, explica. “É como se ele tivesse direcionado uma demanda histórica estrutural de um volume enorme, que é a demanda por moradia, só para a política de assistência”.

Segundo a especialista, a proposição poderia sobrecarregar o sistema de assistência sem, de fato, resolver o problema. Raquel destaca ainda que seria necessário fazer um levantamento das condições de abrigamento das cidades para analisar a viabilidade da política. “A gente também não pode se perder no discurso, porque São Paulo tem uma estrutura muito diferente de outras cidades”, ressalta. Para ela, outro ponto fundamental é ouvir essas populações para entender a resistência das pessoas em relação aos centros de acolhimento.  

“Quem tá na rua, provavelmente já foi despejado de casa em algum momento, então é como se fosse o despejo dos despejados”, completa. 

De acordo com o Comitê de direitos econômicos, sociais e culturais da Organização das Nações Unidas (ONU), para ser considerada adequada, uma moradia deve ter: segurança da posse; disponibilidade de serviços, materiais, equipamentos e infraestruturas; economicidade; acessibilidade; habitabilidade; facilidade de acesso; localização; e adequação cultural. 

Remoção é vetada pelo STF

Em agosto do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou liminar que proíbe a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua. A decisão ocorreu em resposta à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, movida pela Rede Sustentabilidade, Partido Socialismo e Liberdade (PSol) e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e prevê ainda a proibição do recolhimento de bens pessoais dessa população, bem como o emprego da arquitetura hostil.

De acordo com o PL proposto pelo deputado Kim Kataguiri, a proposição “se preocupou em ponderar direitos e não violar os direitos fundamentais das pessoas em situação de rua impedindo, por exemplo, a retirada dos pertences pessoais pelos fiscais da prefeitura e a não aplicação da Lei nos casos onde é involuntária a moradia na rua de famílias com criança”. 

O ativista Darcy Costa, do do Movimento Nacional População de Rua (MNPR), acredita que a medida fere a decisão do Supremo. “Não se deve remover uma pessoa de um local sem ofertar para ela uma algo melhor”, defende. 

O Projeto de Lei não explica para onde essas pessoas seriam encaminhadas caso se recusarem a ir para centros de acolhimento. Questionada sobre qual seria o procedimento adotado, a equipe do deputado afirmou que, em caso de negativa, o fiscal pode recolher os pertences que denotem moradia (como barraca e colchão), desde que não sejam pessoais, e exigir que ele se retire do local. A equipe do parlamentar ainda afirmou que os alvos dessas ações devem ser "os moradores de rua que impedem a passagem dos cidadãos por ficarem em espaços públicos, em sua maioria nos centros urbanos onde há praças, marquises, parques, comércio, que é bem de uso comum dos cidadãos".

Situação em Brasília

No Distrito Federal, a população em situação de rua chega a 7.429 habitantes, o que corresponde a cerca de 0,26% da população total. O percentual é o maior entre todas as unidades da federação. 

Para atender à demanda local, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF) disponibilizou duas mil vagas para o Serviço de Acolhimento para Adultos e Famílias em abrigo institucional ou pernoite. O modelo de pernoite, que prevê local para jantar e tomar café da manhã, trocar de roupa e tomar banho, entretanto, é uma modalidade nova. Segundo a Sedes, o novo tipo de acolhimento foi implantado por conta da alta adesão da população em situação de rua ao serviço, prestado de forma temporária durante a pandemia.  

Os serviços de acolhimento implantados no DF e em todo o país, no entanto, não são um serviço de acesso à moradia, já que a permanência nesses locais é de caráter temporário. 

Leia nota do deputado Kim Kataguiri (União Brasil — SP) na íntegra:

"O objetivo do projeto é ponderar direitos. De um lado, o direito de ir e vir da população de rua e, do outro lado, o direito de ir e vir dos cidadãos brasileiros que convivem com a insegurança diária provocada pela aglomeração de moradores de rua que, em sua maioria, não aceitam ir para os abrigos implementados pelas prefeituras porque não querem se submeter ao mínimo de regramento necessário para resguardar a ordem no local.

Há aqueles que sustentam discursos falaciosos que usam como justificativa para defender a permanência das pessoas nas ruas o estado precário dos centros de acolhimento e a falta de estrutura e higiene desses locais.

Ora, não é bem assim. Por exemplo, a prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) anunciou, recentemente, novas medidas para acolher a população em situação de rua. Os principais termos do novo protocolo são:

- serão acolhidas todas as pessoas, mesmo as que não possuam encaminhamento. Em caso de ausência de vaga, o serviço responsável por fazer os encaminhamentos será acionado e fica liberada a espera dentro da unidade;

- Proibido colocar pessoas para fora dos centros de acolhida antes do café da manhã;

- Oferecer lanche da noite para quem chegar no local após as 21h, principalmente nos centros de acolhimento emergenciais;

- Aumentar a quantidade do café da manhã e acrescentar frutas na refeição;

- Reforçar as equipes de limpeza noturnas;

- Reforçar o atendimento no momento da recepção e evitar troca constante de funcionários, com objetivo de criar vínculos com quem procura o atendimento.

É preciso primeiro conhecer para depois criticar. Se existem problemas nos abrigos como foi citada a falta de higiene, eles podem ser resolvidos ou melhorados. Se não tivéssemos os abrigos, certamente, o poder público seria duramente criticado por não implementar políticas públicas para a população em situação de rua.

Ora, se o município oferece acolhimento em condições dignas, não há razão para dormir na rua. Estamos falando de dignidade da pessoa humana e cidadania, que envolve pensar no coletivo.
É importante deixar claro para evitar distorções nas narrativas contrárias ao Projeto de lei, que a minha proposta não se aplicará nos locais onde não houver abrigos ou quando as vagas existentes não forem suficientes

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