A cena do anúncio feito em São Leopoldo (RS) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua comitiva das medidas contra os efeitos devastadores das chuvas no Rio Grande do Sul ganhou ares de palanque eleitoral. O comedimento que a situação exigia, entende aliados do governador Eduardo Leite, do PSDB, foi deixado de lado em um momento em que o estado vive uma catástrofe com dezenas de mortos e desaparecidos. Lula chamou o ministro Paulo Pimenta ao centro do palco como se fosse um ato de início de governo. O deputado petista migrou da Secretaria de Comunicação para o Ministério Extraordinário da Reconstrução do estado. E assim foi apresentado.
No mesmo cenário, em pé e em posição de destaque no palanque, a deputada Maria do Rosário (PT-RS), pré-candidata à prefeita de Porto Alegre, aplaudia com entusiasmo. Contrastando com esse clima, o governador gaúcho permaneceu estático na cadeira, não aplaudiu nem engrossou o coro festivo do PT.
O ambiente político-eleitoral se mistura à busca de soluções para a tragédia que aflige os gaúchos, mais preocupados com a incerta volta para casa e com a reconstrução de seus bairros e cidades destruídos pela pela força das águas.
A indicação de Pimenta para coordenar as ações federais no estado motivou uma resposta imediata do PSDB. O deputado Aécio Neves, liderança dos tucanos, chamou de "excrescência" a decisão de Lula e afirmou se tratar de uma "intervenção" do governo federal no Rio Grande do Sul. O governador Eduardo Leite sequer foi comunicado da nomeação.
Prefeito da maior cidade administrada pelo PT no estado, São Leopoldo, Ary Vanazzi, dos principais articulares políticos da legenda no estado, saiu em defesa de Pimenta, em entrevista ao Correio. "Não vejo como uma intervenção política. Paulo Pimenta é gaúcho, conhece o estado, é deputado federal. Além disso, conhece as lideranças, e é preciso alguém assim, bem articulado, que conheça a realidade e que saiba onde está pisando. Não dá para escolher qualquer um, que não tenha relação política e que desconheça o estado. Essa questão não está no centro do debate. Pelo menos, até aqui. Esta tragédia exige unidade política", disse Vanazzi.
Cacifes na mesa
Pimenta, que foi o terceiro deputado federal mais votado pelos gaúchos em 2022, com 223 mil votos, é visto como provável candidato do PT ao governo estadual, daqui a dois anos.
Deputado federal mais votado do estado, com 259 mil votos, o bolsonarista Luciano Zucco (PL-RS) acusou os dois lados de anteciparem a campanha eleitoral. Ele é outro nome relacionado como provável postulante ao Palácio Piratini em 2026. Para Zucco, o fato é grave por ocorrer em meio à maior tragédia que se abateu sobre o estado.
"Com direito a comício, o agora ex-ministro da propaganda Paulo Pimenta foi nomeado para o Ministério Extraordinário da Reconstrução. Pego de surpresa e visivelmente contrariado com a jogada política do presidente Lula, o governador Eduardo Leite reagiu nomeando seu vice, Gabriel Souza, para cargo similar, mas em nível estadual", disse o parlamentar, que criticou a iniciativa de ambos.
"É desnecessário que ambos sejam nomeados para cargos com nomes pomposos, como se isso fosse preciso para coordenar o trabalho incansável que já vem sendo feito por milhares de voluntários e servidores públicos. O mais provável de acontecer é uma disputa por holofotes e protagonismo, na qual quem sairá perdendo será a própria população atingida", disse Zucco.
O vice-governador, Gabriel Souza, também está capitalizando uma fatia do protagonismo no enfrentamento às consequências da enchente, mas Leite escolheu o economista Pedro Capeluppi para comandar a Secretaria de Reconstrução do estado. Capeluppi trabalhou com Paulo Guedes no Ministério da Economia, durante o governo Bolsonaro.
Adiamento da eleição
Apesar da disputa eleitoral antecipada em meio ao drama do Rio Grande do Sul, a realização do pleito municipal, em outubro, é incerta. Em entrevista ao Correio, a presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do estado, desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak, falou da possibilidade de adiamento das eleições, o que pode ocorrer devido as péssimas condições das instalações dos cartórios eleitorais, dos danos sofridos pelas urnas eletrônicas e, até mesmo, do "estado emocional" do povo gaúcho neste momento.
O deputado Bohn Gass (PT-RS) afirmou que o partido não discute eleições no momento e entende não haver necessidade de adiar o pleito municipal. "Neste momento, esse assunto não existe para nós. O que existe, agora, é salvar vidas, é trabalhar intensamente para a recostrução. Não existe, para nós, suspensão da eleição, até porque os atuais prefeitos foram eleitos para este período, que vai até 31 de dezembro", afirmou.
Mesmo que os discursos de todos os lados neguem que ninguém está pensando em eleições agora, nos grupos de cada um, internamente, as análises são outras. Aliados de Eduardo Leite enxergam nas ações de Lula a implementação de um governo paralelo no estado, e que contará com a presença sucessiva do presidente nas áreas atingidas pelas chuvas.
Do lado petista, o entendimento é que o incômodo do PSDB com o Palácio do Planalto é sinal de receio de possível ganhos políticos que Lula possa obter em um estado em que seu desempenho e de seu partido já foi melhor.
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