Análise

Nas Entrelinhas: Lula socorre os gaúchos em meio às incertezas fiscais

"No Palácio do Planalto, a prioridade é ajudar os gaúchos e criar condições para a recuperação do estado. Lula cancelou a viagem ao Chile para volta ao Rio Grande do Sul", destaca o jornalista

 RS - Chuvas - Enchente em Portalegre  Rio Grande do Sul -  (crédito:  Henrique Lessa/DAPress)
RS - Chuvas - Enchente em Portalegre Rio Grande do Sul - (crédito: Henrique Lessa/DAPress)

Luiz Inácio Lula da Silva e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, por videoconferência, se reuniram para tratar de novas medidas de socorro aos gaúchos, flagelados pelas piores chuvas de sua história. Na ocasião, o presidente anunciou que o pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União será suspenso por três anos, nos quais não haverá cobrança de juros. A dívida gaúcha custa R$ 3,5 bilhões por ano e chega a R$ 95 bilhões.

Pelas contas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com isso o governo libera R$ 23 bilhões para o caixa do governo do Rio Grande do Sul. Eduardo Leite, entretanto, pleiteia o perdão da dívida, em razão na enorme dificuldade que enfrentará na reconstrução do estado. O projeto de lei complementar que suspende a dívida já está no Congresso para apreciação e aprovação em regime de urgência. A tendência é o Congresso abrir uma janela para eventualmente socorrer outros estados.

Um auxílio de R$ 5 mil também será distribuído diretamente pelo governo federal às pessoas afetadas pelas chuvas, para compra de material de construção, eletrodomésticos e móveis. Estima-se que 100 mil famílias serão beneficiadas. Isso significa a liberação de mais R$ 500 milhões em ajuda.

A conta da tragédia não para de crescer. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) contabiliza 147 mortos, 815 desaparecidos, 88,8 mil desabrigados, 628,1 mil desalojados, 8,8 mil feridos e enfermos, e 2,9 milhões de pessoas afetadas.

Pelos cálculos da Fazenda, as 36 parcelas da dívida gaúcha, cujo pagamento foi suspenso, equivalem a R$ 11 bilhões — os outros R$ 12 bilhões correspondem aos juros, que não serão cobrados, segundo a lei. O governo ainda não decidiu a forma como o pagamento da dívida será renegociado, nem pretende fazer isso agora, temendo um precedente para os demais estados. Segundo Haddad, outras ações do governo realizadas desde a semana passada representam mais R$ 12 bilhões.

Para os gaúchos pessoas físicas, houve a antecipação do pagamento do abono salarial 2024 (R$ 758 milhões), do seguro-desemprego (R$ 495 milhões), a restituição do Imposto de Renda (R$ 1 bilhão) e as antecipações do Bolsa Família e do Auxílio-Gás de maio (R$ 380 milhões).

Estados e municípios foram beneficiados com fundos para estruturação de projetos (R$ 200 milhões) e crédito para municípios (R$ 1,8 bilhão). Micros e pequenas empresas receberão R$ 4,5 bilhões em crédito e desconto de juros do Pronampe, no montante de R$ 1 bilhão.

O Programa Emergencial de Acesso ao Crédito (Peac) representará R$ 500 milhões e a prorrogação do vencimento de impostos federais e do Simples Nacional, mais R$ 4,8 bilhões. Produtores rurais terão descontados os juros do Pronaf e do Pronampe, num total de R$ 1 bilhão.

Incertezas fiscais

Até agora, R$ 50,9 bilhões destinados à recuperação dos municípios e das famílias atingidas pelas enchentes foram prometidos pelo governo federal, em três pacotes enviados ao Congresso, por meio de medidas provisórias. O Rio Grande do Sul nunca cumpriu plenamente os acordos para quitar a dívida com a União, que virou uma bola de neve. Durante cinco anos, com base numa liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), o pagamento esteve suspenso, mas foi retomado em 2022, com base no Regime de Recuperação Fiscal com a União. As expectativas em relação aos prejuízos econômicos, com base nas enchentes do ano passado, ultrapassam os R$ 105 bilhões.

Hoje, o Comitê de Política Monetária (Copom) divulgará a ata da última reunião, realizada na semana passada, na qual a maioria dos integrantes decidiu por uma mudança no padrão da trajetória da taxa básica de juros. Por 5 x 4, o Copom optou por reduzir a Selic em apenas 0,25 ponto percentual, interrompendo a sequência de seis quedas de 0,50 p.p.

No comunicado para justificar uma redução mais moderada da Selic, o Copom mencionou o consenso entre seus membros sobre incertezas externas e internas. A divergência estaria na amplitude do corte. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, desempatou ao votar por uma queda mais suave. Com certeza, a ata do Copom refletirá um cenário de incertezas fiscais, agravadas pelo desastre no Rio Grande do Sul. O socorro impactará os preços dos alimentos e o deficit fiscal.

No Palácio do Planalto, a prioridade é ajudar os gaúchos e criar condições para a recuperação do estado. Lula cancelou a viagem que faria ao Chile e deve voltar ao Rio Grande do Sul amanhã. A cooperação entre os órgãos federais, estaduais e municipais ligados à Defesa Civil é muito intensa, apesar das fake news que dizem o contrário.

Nos bastidores do governo, porém, a preocupação é como socorrer os gaúchos sem desorganizar as contas federais.

Mesmo com o amparo legal do Congresso, do STF e Tribunal de Contas da União (TCU), que deixaram o socorro às vítimas fora do cálculo do deficit fiscal, o fato é que a conta não fecha. O governo terá que remanejar recursos, o que de fato já está ocorrendo, por exemplo, nos órgãos federais que estão atuando no Sul.

O problema é que a destruição das cidades e o colapso da infraestrutura e das atividades produtivas vão exigir esforços continuados.

 

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postado em 14/05/2024 03:55
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