O governo Lula está enfrentando muitas dificuldades para governar. Uma parte da responsabilidade pode ser do presidente e sua equipe, mas outra razão para o desgoverno está na forma como as instituições políticas funcionam — ou melhor, não funcionam.
Desde 2010, vivemos em permanente crise política e, salvo no breve governo Temer, o país tem vivido praticamente sem governo. Estou entre os que culpam mais as instituições do que os homens por este estado de coisas. Mas não posso negar que tanto Bolsonaro quanto Lula contribuíram também para tornar as coisas piores.
A principal culpa de um e de outro está no fato de que, em vez de buscarem consensos para unir o país, ambos se empenharam em nos impor agendas ideológicas e divisivas. No caso de Lula, esse comportamento é mais incompreensível porque sua vitória foi o resultado de uma coalização de forças claramente distantes das posições de seu partido. Numa sociedade em que, conforme pesquisa recente do Ipec, apenas 18% dos brasileiros se identificam com a esquerda, tanto o presidente quanto seu partido não se cansam de mostrar apego ideológico.
Num episódio, que é o auge dessa estranha obsessão, uma comitiva de 28 membros do PT, liderada pela presidente do partido, deputada Gleisi Hoffman (PR), foi a Pequim para estreitar laços com o Partido Comunista da China, declarar sua admiração pela "democracia chinesa" de partido único e proclamar que o PT e PC chinês defendem que o socialismo é a alternativa para a paz e a justiça no mundo. Há uma vontade estranha de desunir e dar razão ao adversário.
Procurei demonstrar neste espaço que, no Brasil, não há possibilidade de o presidente, eleito pela maioria dos brasileiros, conquistar também pelo voto uma maioria parlamentar, o que é a norma em todas as principais democracias. Embora as eleições sejam simultâneas, o voto majoritário para presidente da República é um voto relativamente consciente, porque os candidatos são poucos e se tornam suficientemente conhecidos durante a campanha.
Quanto às eleições para a Câmara dos Deputados, tudo é completamente diferente. Com cerca de 30 partidos e muitas centenas de candidatos disputando no grande espaço de cada estado, o eleitor ignora completamente o significado e a consequência do seu voto. As urnas acabam não definindo a maioria parlamentar, que tem que ser construída por meio de acordos e favores, depois da posse.
Independência
Esse sistema funcionou um certo tempo. Até 2015, sem maioria própria, cada governo cooptava a maioria necessária por meio da distribuição de cargos e, principalmente, pela liberação de recursos para os parlamentares beneficiarem suas bases. Essa liberação era arbitrária, a critério do Poder Executivo, que assim mantinha alinhada sua base. Era forçado, mas funcionava.
Em 2015, no governo fragilizado de Dilma Roussef, os parlamentares começaram a limitar a discricionariedade do Executivo e a tornar impositiva a liberação de certas emendas. Uma sucessão de novas mudanças na Constituição foram tornando impositivas todas as liberações e elevando várias vezes o valor das emendas. Para se ter uma ideia, em 2015 o valor das emendas parlamentares foi de R$ 3,43 bilhões.
Após o impeachment o valor saltou para cerca de R$ 13 bilhões, em média, até 2020. Naquele ano, sob Bolsonaro, o valor saltou para R$ 36 bilhões. No atual governo Lula, em 2023 foram liberados R$ 35 bilhões e, em 2024, serão R$ 44 bilhões. O Legislativo ficou independente do Executivo para suas necessidades políticas. As eleições não produzem uma maioria e ficou muito difícil construí-la depois, pois o governo não tem mais instrumentos pragmáticos para isso. Restou aos presidentes apenas os discursos que nos dividem.
Nesse ambiente, o Executivo está isolado e sem poder, de fato subordinado às pautas desarticuladas do Legislativo. Estamos assistindo à agonia do modelo da Constituição de 1988, que se não for reformado levará o Estado brasileiro ao colapso.
Não haverá tal reforma sem um grande líder, que reconcilie a política e a sociedade e nos devolva um pouco de orgulho e de esperança.
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