As diplomacias do Brasil e da China celebram, com satisfação, os 50 anos de relações oficiais entre os países. O marco é comemorado oficialmente em 15 de agosto, data na qual, em 1974, o então presidente Ernesto Geisel anunciou a retomada do diálogo diplomático que havia sido suspenso em 1949, depois da Revolução Chinesa. Para celebrar meio século de laços comerciais e políticos, os dois lados intensificaram os contatos e articulam a vinda do presidente Xi Jinping.
Integrantes do Itamaraty ouvidos sob reserva pelo Correio comentaram que os dois países têm uma série de interesses comuns, especialmente no desenvolvimento, na indústria e, mais recentemente, na transição energética. Frisaram, porém, que o Brasil não deixa de defender seus próprios objetivos e que a relação é essencialmente pragmática. Um símbolo desse pragmatismo é a própria retomada diplomática, em 1974.
Além dos 50 anos de relações, celebra-se, também, as duas décadas de criação da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), instalada em 2004, responsável por orientar os programas desenvolvidos pelas duas nações. O colegiado é liderado pelos vice-presidentes brasileiro e chinês, respectivamente Geraldo Alckmin e Han Zheng.
Estreitamento
Alckmin confirmou que participará da próxima reunião do grupo, em Pequim, em 5 e 6 de junho. Será a primeira vez, desde a pandemia, que o encontro será presencial. "A relação Brasil-China é um caso de sucesso. Quais são os setores prioritários (na parceria)? Chegamos à conclusão de que são todos", comentou ele, durante evento para celebrar a data, organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e pela Academia Chinesa de Ciências Sociais (Cass). "Nesse ponto histórico de relacionamento bilateral, a China espera alçar as relações sino-brasileiras a novos patamares. Vamos expandir nossa cooperação nas áreas de vanguarda. Uma parceria de caráter estratégico em ciência, tecnologia limpa e inovação", acrescentou o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao.
A expectativa no Itamaraty é de grandes anúncios no encontro da Cosban, como a possível a vinda de Xi Jinping ao Brasil. Os diplomatas chineses são vistos como profissionais e pragmáticos, com postura semelhante à dos brasileiros — duros na negociação. Eles vêm aumentando a pressão para que o Brasil integre oficialmente a Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), um programa trilionário de investimentos em infraestrutura liderado pelos chineses. O primeiro convite chegou em 2018.
Nova investida de Pequim foi feita no ano passado, às vésperas da viagem de Lula à China, mas a adesão não ocorreu — frustrando as expectativas do governo chinês. No início do ano, o ministro de Relações Exteriores da China, Wang Yi, reforçou o convite e propôs a integração de investimentos com o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). A diplomacia brasileira, porém, não crê que haja necessidade de aderir oficialmente à ICR, pois o Brasil atrai investimentos chineses em infraestrutura em volume e tecnologia.
Para Alckmin, o comércio exterior é justamente "o maior campeão" da parceria. A maioria dos produtos vendidos pelo Brasil são commodities — como café, soja, carnes, minério de ferro e petróleo. No sentido inverso, Pequim remete produtos de alto valor agregado, como eletrônicos, máquinas, medicamentos e fertilizantes, com a vantagem de terem baixo custo.
"Não é como a gente gostaria que fosse. Eles querem continuar dominando. O governo brasileiro tem que ter o cuidado para que essa oferta de produtos chineses não desestimule a indústria local. Isso é um problema sério", comenta o economista Newton Marques, doutor em economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF).
Quatro anos de turbulências
A parceria Brasil-China, porém, passou por maus momentos. Como, por exemplo, no governo de Jair Bolsonaro, quando tanto o ex-presidente quanto o chanceler à época, Ernesto Araújo, fizeram numerosas acusações ao parceiro comercial. Em um dos ataques, Bolsonaro acusou a China de ter se beneficiado da pandemia da covid-19, pois criara o vírus em laboratório como uma forma de "guerra bacteriológica". Ainda no cenário de conflito ideológico, o ex-presidente e seus apoiadores tentaram desqualificar a parceria entre o Instituto Butantã e a farmacêutica Sinovac, que desenvolveram em conjunto o imunizante CoronaVac — chamavam-na de "vachina".
Outro ponto de tensão foi a demora na adoção da tecnologia 5G. Bolsonaro e integrantes do governo acusaram a China de usar a banda de internet para espionagem, o que não foi comprovado, e ameaçaram vetar empresas chinesas no setor de participar na concorrência — tal como fizeram Austrália e Canadá, que vetaram a Huawey. A proibição, porém, não aconteceu.
A verborragia ideológica não foi suficiente para prejudicar a relação econômica. A então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, criou um grupo dentro da sua pasta para fomentar o comércio dos produtos agropecuários entre brasileiros e chineses. Mas outros projetos não avançaram.
"Certamente esse período adiou muitas iniciativas, mas não prejudicou as relações de maneira profunda. Ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi muito bem recebido na China, especialmente depois da piora nas relações diplomáticas no governo Bolsonaro", avaliou o coordenador de Comércio Internacional da BMJ consultores associados, Josemar Franco
Zonas de interesse
» Tecnologia espacial — Um dos grandes expoentes da parceria são os Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres — CBERS na sigla em inglês. O sistema começou a ser criado em 1988 e monitora a região amazônica por sinais de queimadas e desmatamento ilegal. A sexta geração da tecnologia está em desenvolvimento e o protocolo de elaboração foi assinado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping, em 2023, e pode entrar em órbita a partir de 2028. Um diplomata ouvido pelo Correio lembrou que, no início do acordo, o Brasil tinha uma tecnologia de satélites mais avançada do que a chinesa.
» Audiovisual — O Brasil foi homenageado no Festival de Cinema de Pequim, em 22 de abril, representado pelo secretário-executivo adjunto do Ministério da Cultura (MinC), Cassius Rosa. No ano passado, a ministra Margareth Menezes assinou um acordo de cooperação com a Administração Nacional de Rádio e Televisão da China (NRTA) para a produção conjunta de conteúdos audiovisuais.
» Agronegócio — A China é o maior mercado mundial do Brasil, responsável pela compra de 53% da soja exportada. Em 2023, o país importou 2,2 milhões de toneladas de carne — US$ 8,2 bilhões. Ao todo, 36,1% das vendas brasileiras do agronegócio seguiram para a China, contra apenas 2,73% em 2000.
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