No próximo dia 21, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai retomar a análise de reclamações que podem resultar na abertura de Processo Administrativo Disciplinar contra a juíza Gabriela Hardt, que ficou à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, por onde tramitaram a maior parte dos processos da Lava-Jato em Curitiba. Ela chegou a ser afastada da função pelo corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão. A decisão de Salomão levou a um movimento raro na magistratura, no qual juízes federais ameaçaram paralisar as atividades.
O movimento dos magistrados revela que a operação, que se tornou símbolo de combate à corrupção, mas ao mesmo tempo é acusada de violar o devido processo legal e atuar com interesses políticos, ainda mantém forte apoio entre magistrados e magistradas. Além de Hardt, estão na mira de ações de correição o juiz Danilo Pereira Júnior, atual titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, e os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores, Loraci Flores de Lima, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
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Hardt é acusada de irregularidades ao autorizar, em 2019, a criação de uma fundação para gerir R$ 2 bilhões recuperados na Lava-Jato que seriam enviados aos Estados Unidos, em ressarcimento a perdas no país por conta do esquema de corrupção. Porém, a fundação teria procuradores que atuavam na operação em sua gestão — o que poderia caracterizar "desvio de dinheiro público para fins pessoais" dos integrantes da força-tarefa, conforme apontou o corregedor.
"Não foi só uma infeliz iniciativa. Aqui é desvio preparado… Deliberadamente, com ação ou omissão do juízo, se estabeleceu auxílio às autoridades americanas a construírem casos criminais em face da Petrobras com interesse no retorno de parte da multa que seria aplicada", afirmou o corregedor, em seu voto, há duas semanas.
A criação da fundação chegou a ser alvo de um tratado entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Petrobras. Mas foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) antes que fosse colocada em prática. Para o presidente do CNJ e do STF, Luís Roberto Barroso, Salomão errou ao afastar Hardt e os desembargadores. Ele chegou a afirmar, em tom de sermão ao colega, que a medida foi "autoritária", por ter sido tomada de maneira monocrática, ou seja, individual. "Não era dinheiro para o bolso de ninguém, não era dinheiro para ninguém se locupletar. Portanto não é de desvio que se cogita aqui. O que se discute é a impropriedade na criação de uma fundação para gerir o dinheiro. E hoje ninguém duvida que tenha sido uma decisão pouco feliz", disse Barroso.
Na reunião do dia 21 deste mês, os 15 integrantes do CNJ se reúnem para avaliar o caso e pode abrir procedimento disciplinar contra a magistrada, ou derrubar de vez as acusações contra ela no âmbito administrativo. Além do eventual processo para apurar a conduta da juíza, os conselheiros vão colocar em debate a própria intenção de criar a fundação e eventuais crimes envolvidos.
Outra ação, que foi retirada de pauta, trata da responsabilidade de Sérgio Moro, ex-juiz federal do Paraná e atual senador. Ele pode ser alvo de investigação criminal, caso seja considerado culpado por irregularidades. A retirada ocorreu a pedido do relator, pelo fato de Moro não estar mais no Judiciário. A situação dele será analisada separadamente dos demais.
Desobediência
Em relação aos desembargadores, a acusação é que descumpriram determinações do Supremo. Uma das determinações não respeitadas pelos magistrados seria a que suspendeu os processos contra o ex-juiz da Lava Jato Eduardo Appio, que também esteve à frente da Lava-Jato na Justiça Federal do Paraná.
Appio foi alvo de uma ação após ser acusado de ligar para o filho de um desembargador, em um contato não oficial e que teria como intuito gerar pressão sobre a corte de segunda instância. Na época, os desembargadores faziam parte da 8ª turma do TRF. O colegiado deliberou sobre o caso e afastou Appio do cargo mesmo após a decisão da suprema corte já ter sido tomada — o que para Salomão gerou desequilíbrio no sistema de Justiça.
"O comportamento deliberado de descumprimento de ordem emanada da Suprema Corte contribui para um estado de coisas que atua contra a institucionalidade do país, tornando, por isso, gravíssimas as condutas em análise, frontalmente incompatíveis com a dignidade das funções de magistrado", afirmou o corregedor. Os desembargadores continuam afastados e também podem sofrer processo disciplinar que pode resultar em aposentadoria compulsória.
Pena disciplinar
Vera Chemim, advogada, especialista em direito constitucional, aponta que tanto a juíza Gabriela Hardt quanto os desembargadores devem ser alvos de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) aberto pelo CNJ. No entanto, ela avalia que a situação da magistrada é menos grave. "A tendência a posteriori é a de que, no caso da juíza, se aplique a pena disciplinar correspondente à censura, se e somente se ficar comprovado que a homologação em contrato teria sido incorreta. Em se tratando da aplicação de censura, a magistrada ficará impedida de ser promovida por merecimento pelo prazo de 1 ano, contado da imposição da pena", afirmou.
Quanto aos desembargadores, a especialista jurídica avaliou que existem grandes possibilidades de uma pena maior para eles no CNJ, inclusive, aposentadoria compulsória, "com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço".
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