Nas entrelinhas

Análise: Queda de braço que vale R$ 110 bilhões

Esse pacto com o Supremo é negado nos bastidores do Palácio do Planalto, mas é aquela história das bruxarias: "No creo en brujas, pero que las hay, las hay!"

Governo Lula e Congresso divergem em uma série de pautas -  (crédito: Maurenilson Freire)
Governo Lula e Congresso divergem em uma série de pautas - (crédito: Maurenilson Freire)

Desonerações, DPVAT, Perse, essa é a agenda da discórdia do governo Lula com o Congresso. A queda de braço vale R$ 110 bilhões em arrecadação e/ou incentivos fiscais. O Senado aprovou nesta terça-feira o projeto que prorroga o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com incentivos fiscais que chegam a R$ 15 bilhões. O texto não sofreu mudanças em relação ao que foi votado pelos deputados e, como já foi aprovado pela Câmara, seguirá para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Perse foi criado para auxiliar profissionais que trabalham com eventos, por meio de isenção fiscal, em 2021, durante a pandemia. O governo queria substituí-lo por outro projeto, mas teve aceitar a prorrogação até 2026 num acordo com a Câmara.

O programa zera a alíquota de quatro tributos, inclusive do Imposto de Renda, de hotéis, bares, bufês, agências de viagem e de produções musicais, entre outras atividades ligadas ao turismo, cultura e lazer. Forçado a aceitar a prorrogação, o governo negociou a redução dos beneficiados de 40 para 30 setores.

Foram excluídos albergues, exceto assistenciais; campings; pensões (alojamento); produtora de filmes para publicidade; serviços de reservas e outros serviços de turismo; serviço de transporte de passageiros e locação de automóveis com motorista; e excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional.

Antes da votação, a relatora, senadora Daniela Ribeiro (PP-PB), tentou uma emenda para corrigir pela inflação o saldo do programa, que vigorará até 2026, mas desistiu porque a matéria voltaria para a Câmara.

Outra queda de braço é aprovação do DPVAT, aquele seguro de indenização de acidentes de trânsito, que voltaria a ser obrigatório. Pode representar um aumento de arrecadação de R$ 15 bilhões para o Tesouro, mas subiu no telhado ontem, quando a proposta, já aprovada pela Câmara, seria apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

O senador Davi Alcolumbre (União-AP), aliado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que preside a comissão, adiou a sessão da CCJ para a próxima semana. O governo conta com esses recursos para fechar as suas contas. O adiamento ocorreu após o presidente do Senado se recusar a participar de uma negociação com os líderes do governo sobre o assunto.

Na verdade, Pacheco ainda está engasgado com o fato de ter sido avisado de que o governo havia entrado com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, no mesmo momento em que estava reunido com os líderes do Congresso para discutir um possível acordo sobre a prorrogação dessas desonerações. Disse que foi um "erro primário" do governo recorrer ao Supremo durante uma negociação em pleno curso. Ou seja, levou uma bola nas costas e não gostou.

A regra permite que empresas de 17 setores substituam a contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota sobre a receita bruta do empreendimento, que varia de 1% a 4,5%, de acordo com o setor e serviço prestado. Estima-se que a medida pode gerar 8,9 milhões de empregos formais diretos, além de outros milhões de postos de trabalho na cadeia produtiva dessas empresas. A proposta foi vetada integralmente pelo presidente Lula, mas os vetos foram derrubados pelo Congresso. Inconformado, Lula recorreu ao Supremo. Ganhou uma liminar do ministro Cristiano Zanin a favor da suspensão, mas o Senado recorreu ao plenário da Corte.

Até agora, o governo está vencendo por 5 a 0, mas o ministro Luiz Fux pediu vistas e suspendeu o julgamento. Há tempo para que as negociações sejam retomadas e um acordo seja feito. No âmbito da própria Corte, a decisão pode ser mitigada, de maneira a se tornar mais palatável para o Congresso, mas para isso precisaria haver um entendimento entre os cinco ministros que já votaram, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Flávio Dino e Édson Fachin, além de Zanin, e os seis que restam: Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, André Mendonça e Nunes Marques. Mas é jogo jogado, dificilmente haverá uma virada na votação.

Entretanto, a decisão do Supremo não resolverá o problema político com o Congresso, pelo contrário, se derrubar as desonerações, como é a tendência, ampliará o descontentamento. A interpretação dos líderes do Congresso, entre os quais os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é de que houve uma articulação do governo com ministros do Supremo para uma espécie de freio de arrumação na derrubada sistemática dos vetos presidenciais. Esse suposto pacto é negado nos bastidores do Palácio do Planalto, mas é aquela história das bruxarias: "No creo en brujas, pero que las hay, las hay!"

Há que se considerar também a forte pressão dos setores empresariais beneficiados pelas desonerações, sem falar dos prefeitos de milhares de 5.104 pequenos municípios com menos de 156,2 mil habitantes. Maio é o mês da tradicional Marcha dos Prefeitos a Brasília, marcada para os próximos dias 20 a 23. A indústria tradicional, os setores de tecnologia, transportes e comunicação e a construção civil, beneficiados pelas desonerações, fazem intenso lobby para mantê-las. A interrupção do julgamento, porém, abriu uma janela para o entendimento entre o Congresso e o governo que pode dar ao imbróglio um final feliz.

 

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postado em 01/05/2024 06:00
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