O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que estude uma reforma do setor energético brasileiro. Há um consenso de que o modelo atual não se adequou às mudanças da matriz ao longo dos anos e que traz problemas estruturais que encarecem a conta de luz, cuja alta recente acendeu um alerta no Planalto. A pasta vai montar um grupo de trabalho para nova proposta e deve apresentá-la até o fim deste ano.
O pedido foi feito durante reunião com técnicos do setor na quarta-feira passada, com a participação de Lula, de Silveira e do ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Alexandre Padilha. A discussão ocorre após medida provisória (MP) do governo para usar recursos da Eletrobras na amortização da conta de luz, mas que também aumenta subsídios para energia limpa.
A medida não foi bem recebida por dois motivos principais: o aumento nos benefícios encarece a conta no futuro; e a operação para securitizar a dívida de R$ 26 bilhões da Eletrobras e pagar empréstimos tomados pelo setor não foi bem explicada. Para especialistas, mudanças concretas só serão atingidas com a reforma, e não com medidas paliativas.
"Eu gostaria que fossem apresentados os números com clareza. Não foram", disse ao Correio o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), sobre a operação da Eletrobras. Ele participou do encontro com Lula.
Segundo a MP, a ideia é transformar a dívida em títulos e vendê-los no mercado financeiro. Dessa forma, o governo recebe adiantado o valor que seria pago ao longo das próximas décadas, e o aplica para pagar empréstimos ao setor pela pandemia da covid-19, no valor de R$ 16 bilhões, e pela escassez hídrica de 2020 e 2021, de R$ 5,3 bilhões. Esses montantes hoje estão embutidos na conta. Com a quitação, o desconto ao consumidor pode ser entre 3,5% e 5% ainda neste ano, segundo estima o governo.
10% a mais na conta
O problema é que a medida precisa passar pelo Congresso Nacional, e não há uma precisão sobre o valor que pode ser arrecadado. Já sobre o aumento dos subsídios, esse montante também será embutido na conta. O texto prorroga por 36 meses o prazo para que usinas eólicas, solares e de biomassa acessem os benefícios do governo, com taxas menores para usar o sistema de distribuição e de transmissão de energia.
"Nossas estimativas são que isso pode acrescentar R$ 4,5 bilhões e meio por ano na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético, que reúne os encargos), que hoje chega a R$ 40 bilhões. Com mais R$ 4 bilhões, estamos falando de 10% a mais na conta", explicou Barata.
Crítico à MP, o ex-diretor da ONS vê como bom sinal a iniciativa do governo de discutir uma reforma aprofundada. "Chegou a hora de fazer um processo de revisão. Fiz até uma menção à reforma tributária. Todos entendem que é necessária essa revisão. Mudou a matriz de produção e mudou o lado do consumo, com ampliação do mercado livre de energia e o advento da geração distribuída", comentou. Ele defende ainda que a discussão é urgente, já que os resultados de uma reforma podem demorar de dois a três anos para render benefícios.
Um dos maiores problemas na conta de luz atual são os subsídios, que correspondem a cerca de 40% do valor. Legislações sobre energia elétrica tendem a atrair uma série de jabutis, emplacados pelo lobby do setor no Congresso. Barata cita o exemplo do marco regulatório para eólicas offshore, aprovado na Câmara e que está tramitando no Senado.
"Somos totalmente contra as emendas inseridas pela Câmara. Contratamos uma consultoria especializada e, se todas forem mantidas, pode haver incrementos de R$ 25 bilhões na CDE. Uma verdadeira loucura, se estamos reclamando de uma conta de R$ 40 bilhões. Nós falávamos de jabuti quando eram valores de R$ 1 bilhão, agora é um elefante", enfatizou.
MP mal explicada
Para a economista e professora da FGV Carla Beni, o tamanho da CDE é o grande problema da conta de luz atualmente. O valor saltou 129% entre 2019 e 2024. Os empréstimos da covid e da escassez hídrica estão contidos na CDE. No curto prazo, portanto, a quitação dos valores pode sim reduzir a conta para o consumidor. A professora ressalta, porém, que o governo não explicou bem a operação.
“Se vai reduzir ou não a conta de luz é a conferir, porque ela precisa passar pelo Congresso, e em 120 dias isso pode mudar. A gente precisa ver como será esse adiantamento do valor, se será integral, racional, dentro das regras da empresa. O governo precisa abrir um pouco mais como será. Especificar melhor justamente para que você não tenha depois questões futuras”, elucidou Carla.
Já o economista e consultor Sênior da GO Associados Murilo Viana destaca que o aumento dos subsídios para energia limpa contraria o objetivo da quitação dos empréstimos. “No curto prazo, a medida deve diminuir a conta, mas retira entrada de recursos no médio e longo prazo, ao mesmo tempo que manteve e renovou subsídios. Com isso, haverá pressão de queda de preço no curto prazo, com pressão de aumento no médio e longo prazos”, avaliou.
A mesma preocupação é colocada pelo advogado e economista Conselheiro Deliberativo da ACSP (Associação Comercial de SP) Alessandro Azzoni. “Essa forma de subsídios é paga na conta de luz, e não por incentivos governamentais. A medida não constitui uma solução estrutural para a questão a longo prazo dos custos energéticos e existe o risco de a fatura aumentar no futuro”, pontuou. Para ele, os resultados concretos precisam vir da reforma do setor, levando em conta a modernização da infraestrutura, políticas energéticas eficazes e o uso de energias renováveis.
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