Para lembrar os 60 anos do golpe militar, a Câmara e o Senado organizam exposições e eventos alusivos à ditadura e exibem as violações cometidas naquele período, como as mortes, torturas e desaparecimentos. Esse material, que começou a ser montado ontem, contrasta com um Congresso conservador e com a presença de fileiras de parlamentares da extrema-direita, que fazem o discurso pró-1964.
Nos 21 anos do regime de exceção, o Congresso foi fechado três vezes. Os seguidos Atos Institucionais editados pelo generais-presidentes da época davam poderes dessa dimensão aos ditadores. Em 1966, o marechal Castelo Branco decretou recesso por um mês, para conter um "agrupamento de elementos contra-revolucionários". Em 13 de dezembro de 1968, o marechal Costa e Silva baixou o AI-5, considerado o golpe dentro do golpe, fechando o Congresso para combater a subversão e as "ideologias contrárias às tradições de nosso povo". Ernesto Geisel foi o último destes a decretar o fechamento, recorrendo ao "pacote de abril", depois que o Congresso rejeitou uma emenda constitucional. Geisel argumentou que o MDB criou "ditadura da minoria".
Na Câmara, a exposição não tem qualquer vínculo com a direção da Casa. A organização, no corredor principal de acesso ao plenário, é do PSol. Uma imagem maior exibe a foto da entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, por seus integrantes, à então presidente Dilma Rousseff, em dezembro de 2014. Ao lado, as conclusões das investigações: 434 mortos e desaparecidos - destes 191 por execução sumária -, 377 autores de graves violações de direitos humanos, entre os quais torturadores e 29 recomendações ao Estado brasileiro..
No Senado, um de seus corredores expõe uma série de imagens do período e que foram registradas pelo consagrado fotógrafo Orlando Brito, que morreu em março de 2022 e cobriu muito de perto os Três Poderes. O evento marca também o lançamento do livro "Tempos de chumbo", com essas suas fotos, organizado por Carolina Brito, sua filha. O profissional fez a cobertura do golpe de 1964, da campanha das "Diretas Já", nos anos 1980, e da redemocratização do país.
"Esta coleção de fotografias nos transporta para uma era marcada pela repressão, pela censura e pelo medo, mas também pela resistência e pela luta democrática", diz o texto de divulgação da exposição, que tem o apoio do MyNews, canal independente na internet.
Marcha da Democracia
Parte da extensa programação para lembrar os 60 anos da ditadura, ocorreu ontem a Marcha da Democracia, no caminho inverso das tropas do general Olympio Mourão, que deixaram os quartéis de Juiz de Fora (MG) e partiram para o Rio para depor o então presidente João Goulart.
Ontem, foi a vez de uma caravana fazer esse caminho ao contrário e celebrar no centro da cidade mineira a volta da democracia. Estiveram presentes familiares de Jango, autoridades do governo federal, como Nilmário Miranda, assessor especial da Defesa da Democracia, Memória e Verdade, ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Nilmário falou da necessidade de atuar com firmeza na defesa da democracia e que a vitória de Jair Bolsonaro foi um risco para sua preservação.
"A vitória do Bolsonaro já foi uma derrota para a democracia, a vitória da narrativa, como eles gostam de falar, do golpe, que gostam de chamar de revolução. Não se pode ocultar o que ocorreu, nem deturpar a história", disse.
Perdão oficial aos indígenas
Apesar das restrições impostas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que vetou atos oficiais contra a ditadura -, a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, realiza hoje dois emblemáticos julgamentos. Na parte da manhã, os conselheiros deverão reconhecer a culpa do Estado na perseguição, tortura e morte de indígenas atingidos pela violência dos agentes do regime (1964-1985). Será um pedido de desculpas inédito, o primeiro conferido a um agrupamento e de forma coletiva.
Na parte da tarde, essa mesma comissão realiza ato semelhante, de pedido oficiais de desculpas, mas a um grupo de nove chineses que foram presos e torturados no início da ditadura, sem terem qualquer relação com atos subversivos. Por suas origens, eram acusados de tentativa de implementação do comunismo no Brasil. Dos nove, oito já morreram.
O julgamento dos indígenas abrange os povos krenak, de Minas Gerais, e guarani-kaiowá, de Mato Grosso do Sul. A Comissão Nacional da Verdade levantou que cerca de 8 mil indígenas foram mortos e perseguidos pelo regime. É um número superior aos de 434 de mortos e desaparecidos urbanos, ligados a grupos de opositores do regime militar.
Vários indígenas dessas etnias chegaram ontem a Brasília e irão acompanhar a sessão. A presidente da Comissão de Anistia, Eneá Stutz, disse ao Correio que eles não serão apenas espectadores do julgamento, mas usarão a palavra.
"Aliás, eles não vêm para acompanhar. Eles vêm para falar, terão o direito à palavra. São os donos do julgamento. O protagonismo é deles. Essa é a ideia da reparação coletiva, na qual existe a centralidade da vítima. E irão dizer o que o Estado brasileiro precisa fazer para repará-los", disse Eneá Stutz.
Ao longo da ditadura, os indígenas sofreram torturas e inúmeras tentativas de desumanização, como prisões arbitrárias, trabalho análogo ao escravo e proibição de falar a língua materna. Em Minas, em 1969, foi instalado o reformatório Krenak, em Resplendor — onde indígenas de 23 etnias foram presos.
No caso dos chineses, o grupo foi preso por policiais do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da Polícia Civil do então Estado da Guanabara, no Rio. Foram submetidos às mesmas violações cometidas contra os presos políticos brasileiros. Em 1964, eles foram condenados a 10 anos de prisão, em primeira instância. Apelaram com um recurso no Superior Tribunal Militar (STM), que nunca, até hoje, foi julgado.
Agora, João Vicente Goulart, filho de Jango, tenta reparar essa falha histórica e acionou não apenas o Supremo Tribunal Federal (STF), para que conclua o julgamento e anule a sentença, como foi quem protocolou o caso na Comissão de Anistia.
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