Ao completar 64 anos neste domingo, Brasília sedia o esforço de se garantir a ordem democrática no país. Se em 1964 a capital federal foi palco de um golpe militar que apeou um presidente eleito pelo voto popular, a cidade erguida por Juscelino Kubitschek chega à data de aniversário comprometida em afastar quaisquer riscos de nova ruptura institucional. Isso porque, ao contrário do que se poderia pensar, as forças desestabilizadoras de tudo que Brasília representa ainda se fazem presentes.
Os sinais do 8 de janeiro de 2023 seguem na Esplanada dos Ministérios, tomada naquele dia por vândalos bolsonaristas que destruíram as sedes dos Três Poderes, espalharam faixas pregando a intervenção militar e que tentaram, na prática, instaurar um golpe no país. A principal via da capital, passados 15 meses daquela invasão bárbara, virou permanente razão de preocupação e dificilmente voltará a ser o mesmo espaço de manifestações. As restrições estão impostas, a circulação limitada e os acessos à praça e aos prédios vigiados de perto.
Os ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Palácio do Planalto e ao Congresso Nacional mudaram não só os paradigmas e os protocolos de segurança como revelaram ao país que há hoje uma massa de brasileiros disposta a lançar mão de recursos violentos para se manifestar politicamente, alimentada pela extrema direita. Mais do que isso — como relevam inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal —, os ímpetos golpistas guardam uma suspeita proximidade com o governo de Jair Bolsonaro.
Basta lembrar a famigerada reunião de 5 de julho de 2022, quando o chefe do Poder Executivo inflamava seus ministros para atacar publicamente o sistema eleitoral. Muita coisa mudou depois do 8 de janeiro, a começar pela reação dos Poderes constituídos. Golpistas foram presos e respondem a processo. Os prédios e as obras de arte destruídos foram restaurados. Memoriais e solenidades em lembrança à data, para que nunca mais aconteça, foram programados. A associação ao golpe de 1964 foi estabelecida e o ministro da Defesa, José Múcio, e os três comandantes militares falam do tema sem meias-palavras.
"Esse 8 de Janeiro foi um divisor de água. Você não teve uma declaração de nenhum general e de nenhum militar com relação ao 8 de janeiro. Se nós debitamos o golpe de 1964 às Forças Armadas, nós creditamos não ter havido um golpe em 2022 às Forças Armadas. Nós podemos ter tido jogadores indisciplinados num time disciplinado. Os jogadores indisciplinados foram detectados agora. Nós queremos que eles sejam punidos, porque nós não queremos ficar com a pecha da suspeição", disse Múcio, em audiência pública na quarta-feira, no Congresso.
Escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como interventor na Secretaria de Segurança Pública, no 8 de janeiro, o então secretário executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, adotou medidas duras para conter a crise anunciada. Uma delas foi trocar o comando da Polícia Militar — até hoje, oficiais de alta patente da corporação seguem presos. Ao Correio, Cappelli diz estar convicto de não haver chance de um episódio como aquele voltar a se repetir. "A lição que fica do dia 8 de janeiro é que é preciso ter autoridade, ter comando. O que faltou foi isso, o que não houve aquele dia. O então secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, escolhido pelo governador, estava nos Estados Unidos, num dia como aquele", disse Cappelli. A defesa de Torres, que teve à época sua prisão preventiva decretada, negou envolvimento e afirmou lamentar "profundamente que fossem levantadas hipóteses absurdas de qualquer conivência minha com as barbáries que assistimos", disse o ex-secretário à CPMI do Congresso.
"A lição que fica do dia 8 de janeiro é que é preciso ter autoridade, ter comando. O que faltou foi isso, o que não houve aquele dia" Ricardo Cappelli, ex-secretário executivo do Ministério da Justiça
Atualmente à frente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Cappelli considera impossível um retrocesso daquela magnitude em Brasília. "Não há hipótese do que aconteceu se repetir. Jamais vai ocorrer aquilo de novo porque ficou claro que as instituições deixaram um limite claro do que é manifestação democrática, própria da democracia e sempre muito bem-vinda, do que é depredação, vandalismo e tentativa de golpe. Ou seja, não há hipótese daquilo se repetir", reafirmou.
Profissional que confrontou diretamente os invasores do 8/1, o policial legislativo Adilson Ferreira Paz coordenou a resistência à invasão da Câmara. Seus relatos impressionam. Conta que enfrentou um grupo de profissionais que sabiam exatamente o que estavam fazendo e preparados para aquela extensa destruição. No seu entendimento, o saldo desse levante golpista foi uma mudança na rotina profissional. Ficou patente a necessidade de as forças de segurança melhorarem a comunicação e investirem no serviço de inteligência, a fim de detectar e impedir atos que provoquem distúrbios como o que ocorreu. "Sempre após qualquer evento crítico como esse, as instituições tendem a crescer. E não foi diferente conosco aqui do Depol (Departamento de Polícia Legislativa). A gente cresceu muito como instituição. Hoje, há uma comunicação mais efetiva com outras polícias, casos da Câmara, Senado e Polícia Militar. Isso para que não aconteçam mais eventos tão críticos como o 8 de janeiro", afirmou Adilson Paz ao Correio.
Visitas públicas
Segundo o profissional, após o reforço nas medidas de segurança, a normalidade está de volta aos prédios do Congresso Nacional. As visitas públicas foram retomadas. "Voltamos à normalidade, recebemos o mesmo quantitativo de visitantes de antes. A Câmara está aberta ao cidadão, o que é bastante louvável no Estado democrático de direito. Reforçamos nossa inteligência e a segurança interna também", destaca Paz.
O policial legislativo contou que, depois dos ataques, começaram a ser ministrados cursos de inteligência para o efeito de segurança da Câmara. "São cursos voltados para a inteligência e o operacional, de desenvolvimento de controle de distúrbio civil."
Para Rodrigo Reis, diretor executivo do Instituto Global Attitude, o episódio do dia 8 de janeiro levantou várias lições importantes. "Primeiramente, destaco a necessidade de uma segurança mais robusta na Esplanada e nos prédios governamentais. Isso não apenas para proteger a integridade física desses locais, mas também para garantir a segurança dos cidadãos e manter a ordem pública", pontua.
"Além disso, o evento ressaltou a importância do diálogo e da mediação como ferramentas para evitar conflitos. É crucial que as autoridades se engajem proativamente com os manifestantes para entender suas preocupações e buscar soluções pacíficas", complementa.
Diferentemente de quem atua na área de segurança na região atingida pelo vandalismo antidemocrático, Rodrigo Reis não descarta a repetição de manifestações violentas e de viés golpista. "É sempre uma possibilidade. No entanto, com as medidas de segurança aprimoradas e um compromisso renovado com o diálogo e a mediação, espera-se que qualquer protesto futuro possa ser conduzido de maneira pacífica e segura."
Celebração no Senado
O Senado realiza amanhã, às 10h, sessão especial destinada a celebrar o 64º aniversário de Brasília, por iniciativa da senadora Leila Barros (PDT-DF) e do senador Izalci Lucas (PL-DF). No requerimento para a realização da sessão, Leila Barros destaca que Brasília, passados 64 anos de sua criação, é hoje uma das maiores metrópoles do país e Patrimônio da Humanidade. Izalci, por sua vez, destaca que a capital do Brasil foi o primeiro núcleo urbano construído no século XX a ser incluído na lista de bens de valor universal, recebendo o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, em 1987, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
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