Nas Entrelinhas

Análise: Lira teme efeito Orloff ao deixar comando da Câmara

O presidente da Câmara é uma espécie de engenheiro do caos no comando da Casa, em confronto com o presidente Lula, mas seu futuro é incerto

O presidente da Câmara, Arthur Lira -  (crédito: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados)
O presidente da Câmara, Arthur Lira - (crédito: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados)

O retrato na parede é uma honraria concedida aos ex-presidentes da Câmara, mas a presença na galeria de honra é apenas o que restou do notável poder que o comando da Casa confere à cadeira de quem a ocupa. Foi dela que Ulysses Guimarães (PMDB), o grande líder da oposição ao regime militar, conduziu com pulso firme a Constituinte de 1987, que conferiu ao atual Congresso poderes parlamentaristas que rivalizam com a Presidência da República, desde o governo de transição democrática de José Sarney. Ulysses comandou a Casa por dois mandatos, de 1985 a 1989.

Entretanto, o poder de um presidente da Câmara é muito mais efêmero do que o do presidente da República, que governa por quatro anos e pode ser reeleito. Que o digam, em retrospectiva, Rodrigo Maia (2016-2017), Waldir Maranhão (2016), Eduardo Cunha (2015-2016), Henrique Eduardo Alves (2013-2015), Marco Maia (2011-2013), Michel Temer(2009-2010, 1999-2001 e 1997-1999), Arlindo Chinaglia (2007-2009), Aldo Rebelo (2005-2007), Severino Cavalcanti (2005), João Paulo Cunha (2003-2005), Efraim de Morais (2002-2003), Aécio Neves (2001-2002), Luiz Eduardo Magalhães (1995-1997), Inocêncio de Oliveira (1993-1995), Ibsen Pinheiro (1991-1993) e Paes de Andrade (1989-1991).

Toda vez que olha para seus pares no plenário e vê Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Aécio Neves (PSDB) nas suas cadeiras, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve sentir um gostinho de vodca na garganta. A bebida nacional da Rússia, por causa do alto teor alcoólico (de 34% a 54%), também é muito consumida nos Estados Unidos e países do Leste Europeu, como Ucrânia e Polônia. E no Brasil, o nono consumidor do mundo, atrás do Reino Unido e à frente da Alemanha.

Por aqui, as marcas mais consumidas são Smirnoff e Orloff. A segunda é mais popular, por causa de uma grande campanha publicitária, lançada em 1985, para concorrer com a primeira, que tinha fama de não provocar ressaca. Nela, dois jovens idênticos se encontram num balcão de bar. Um deles pergunta: "Afinal, quem é você?". Seu sósia responde: "Eu sou você amanhã". Na propaganda de tevê, o significado original era que se poderia beber a Orloff sem se preocupar com o dia seguinte.

A expressão virou meme e passou a ser muito utilizada para toda sorte de comparações, inclusive por economistas que temiam os efeitos da hiperinflação no Brasil, comparando-os ao desastre econômico da Argentina. A vodca de milho tem um sabor mais neutro; a de trigo, adocicado e macio; e a de centeio arde. Quando Lira olha para Chinaglia e Aécio, cujo poder hoje é uma sombra do passado, Lira deveria sentir um sabor adocicado. De todos os ex-presidentes, são os que permanecem com mandato na Casa.

Alguns morreram tragicamente, como Ulysses e Luiz Eduardo, ou de morte morrida, como Paes de Andrade. A galeria dos que foram para o ostracismo é grande: Inocêncio, Efraim, Valdir Maranhão, Marco e Rodrigo Maia. Alguns foram até presos, como Eduardo Cunha, Eduardo Alves e João Paulo Cunha; Severino renunciou, para não ser cassado, como Ibsen Pinheiro.

Teoria do caos

O futuro dos ex-presidentes da Câmara é destino. Alguns chegaram ao Senado, foram governadores e voltaram à Câmara, mas ninguém recuperou o mesmo poder de quando ocupara o cargo. Sem dúvida, quem se saiu melhor foi Michel Temer, que comandou a Casa por três mandatos, se tornou vice-presidente da República e assumiu a Presidência, com o impeachment de Dilma Rousseff.

Lira pretende fugir à regra. No momento, é uma espécie de engenheiro do caos no comando da Casa, em confronto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O fenômeno foi descrito pelo matemático e astrônomo francês Henri Poincaré (1854 - 1912), quando estudou a estabilidade do Sistema Solar.

Ao descrever como o Sol e Júpiter atuariam gravitacionalmente sobre uma massa infinitesimal, um asteroide, por exemplo, Poincaré descreveu órbitas que apresentavam grandes variações de comportamento a partir de pequenas variações iniciais: "É impressionante a complexidade desta figura, que eu nem mesmo tento desenhar. Nada é mais adequado para nos dar uma ideia da complicação do problema dos três corpos...".

No começo da década de 1960, o meteorologista e matemático norte-americano Edward Lorenz percebeu que suas previsões sofriam alterações consideráveis quando ele alterava ou desconsiderava algumas casas decimais nos seus cálculos: "É como se o bater das asas de uma borboleta no Brasil causasse, tempos depois, um tornado no Texas". Desde então, o chamado "efeito borboleta" virou a estrela da teoria do caos.

Os sistemas caóticos despertam grande interesse na comunidade científica. O chamado "pêndulo caótico", um sistema formado por três imãs na base e um imã preso em um barbante, quando o pêndulo é balançado, nunca repete a trajetória anterior. Mas, em algum momento, irá parar na posição inicial. Existe ordem no caos. As finanças, a física, a engenharia, a biologia e até a filosofia recorrem à teoria do caos para fazer previsões probabilísticas. Certos políticos também. Talvez também seja o caso de Lula nesse confronto com Arthur Lira.

 

 

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postado em 19/04/2024 03:55
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