As manipulações de jogos de futebol como forma de favorecer apostas esportivas voltaram a ser tema de debate no Congresso Nacional com o início dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas Esportivas, na quarta-feira (17/4), desta vez no Senado Federal. No ano passado, o tema foi discutido em uma comissão na Câmara dos Deputados, mas pela falta de acordos, terminou sem uma votação do texto final.
A CPI surgiu após a divulgação de uma investigação do Ministério Público de Goiás sobre casos de manipulação de resultados em partidas da série B do Campeonato Brasileiro e de campeonatos estaduais. A operação, que começou a ser investigada no fim de 2022, levou à condenação de jogadores das séries A e B do Campeonato Brasileiro por envolvimento em manipulação de resultados.
Como o início do debate na comissão do Senado, o Correio fez um levantamento inédito, a partir de todos os requerimentos e documentos da CPI da Câmara dos Deputados, que mostra os principais personagens e temas do colegiado e o que faltou ser discutido e apurado sobre o caso. Os dados foram estudados no aplicativo Pinpoint, um serviço do Google que auxilia na análise de documentos, e podem ser acessados na íntegra.
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A comissão da Câmara teve o deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE) na relatoria. O parlamentar foi citado em 23 documentos, todos assinados por ele, com pedidos de convocação de testemunhas ou jogadores envolvidos para depoimentos na CPI. Os documentos, em sua maioria, estão endereçados ao presidente da sessão, o deputado federal Julio Arcoverde (PP-PI), solicitando a convocação.
Um dos nomes mais citados nos documentos, tirando deputados que fizeram parte da CPI, foi o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ednaldo Rodrigues, que foi convidado para falar na comissão, mas não compareceu — o convite foi retirado antes do fim da CPI. Citado em 23 documentos, apenas um deles não é um pedido de convocação, e sim menções ao presidente no texto final de Felipe Carreras. Na minuta do relatório final (que não chegou a ser votado), Ednaldo Rodrigues é citado por oito vezes em depoimentos de membros ou ex-integrantes da CBF sobre atuações da confederação frente às denúncias de manipulação de resultados.
Jogadores mencionados
Em contraponto, os jogadores que foram suspensos do esporte após a Operação Penalidade Máxima, não foram destaques na CPI. Aquele com mais citações foi Eduardo Bauermann, zagueiro que defendia o Santos, à época do escândalo, com 17 menções. O jogador, que hoje está sem clube, foi condenado a 360 dias sem poder exercer a profissão, além de uma multa de R$ 35 mil por envolvimento em apostas.
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A maioria das citações envolvendo o nome dele se referiam ao envolvimento com o caso e a denúncia que ele enfrenta no Ministério, além de convocações para depor. Nenhum jogador compareceu à CPI.
Os jogadores Lucas Paquetá, do West Ham da Inglaterra, e Luiz Henrique, à época do Real Betis, da Espanha, e hoje do Botafogo, também foram mencionados na CPI, 8 e 10 vezes, respectivamente, e convocados para depor. Os dois não estiveram envolvidos na Operação Penalidade Máxima e sim em uma investigação na Inglaterra, sobre um alto número de apostas casadas sobre cartões amarelos e vermelhos recebidos pelos dois em partidas distintas. A investigação apura se houve ou não manipulação neste caso e o envolvimento dos dois.
O segundo jogador com mais citações é o brasileiro Neymar, contratado pelo Al-Hilal da Arábia Saudita, que nunca esteve envolvido em escândalos de apostas, mas é citado 14 vezes. As citações de Neymar eram todas em pedidos do deputado federal Kiko Celeguim de convocação de outras pessoas para prestar depoimento na CPI. O jogador brasileiro foi listado nas justificativas por estar envolvido comercialmente com a empresa Blaze, que patrocina clubes de futebol, mas que “coleciona milhares de reclamações sobre problemas com o pagamento aos seus usuários, formuladas no site Reclame Aqui”, diz trecho de um dos documentos em que Neymar é citado.
Outra pessoa muito citada em textos da CPI foi o ex- jogador Romário, do Vila Nova, de Goiás. Foi o caso envolvendo ele e um pênalti forjado que deveria ocorrer na partida do time contra o Sport, pela série B do Campeonato Brasileiro, que deu início às investigações da Operação do Ministério Público de Goiás. Romário teria aceitado uma oferta de R$ 150 mil para cometer um pênalti no jogo e recebeu um sinal de R$ 10 mil. O resto do montante só seria recebido mediante o fim da partida e o cumprimento do prometido. Contudo, o jogador não foi relacionado para a partida na data e, então, tentou cooptar colegas de time para fazer a ação, mas não teve sucesso. Romário foi citado 15 vezes.
Operação Penalidade Máxima
O caso de Romário vazou à época e fez com que o presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, que também é um policial militar, começasse a investigar o caso. Com algumas provas coletadas, ele levou tudo ao Ministério Público de Goiás, que deu início a investigações mais profundas sobre a manipulação no futebol. Hugo Jorge Bravo foi citado em nove documentos da CPI, em que vários deputados pedem a convocação do presidente do Vila Nova para depoimento na sessão, na condição de testemunha.
O depoimento dele ocorreu no dia 30 de maio de 2023, onde destacou que a Operação ocorreu em um momento importante para o futebol brasileiro. “Eu posso dizer para vocês, tranquilamente, se isso não acontecesse, nos próximos três, quatro anos, o futebol estaria completamente contaminado", afirmou o dirigente do clube.
Ele também deu detalhes de como a operação maliciosa para manipular resultados estava se infiltrando entre os jogadores. “Fica muito claro que os atletas que até então eram aliciados, se tornavam aliciadores. Estava se criando ali um ciclo vicioso que iria comprometer sobremaneira o futebol brasileiro", avaliou.
Convocação de empresas de apostas
A CPI também se debruçou bastante sobre os sites e aplicativos de apostas. 10 delas foram listadas e as discussões envolvem vários temas. Essas empresas, normalmente, são as mais lesadas por causa das manipulações em resultados de jogos uma vez que, se um jogador leva um cartão de propósito em um jogo, muitas pessoas que estavam por dentro do esquema vão apostar em aplicativos neste cenário. Essas pessoas receberão uma quantia maior do que o esperado pela casa de aposta que, em casos suspeitos (como, por exemplo, o cartão ser resultado de uma atitude suspeita do jogador), a própria casa de apostas é quem pede que haja uma investigação.
Foram citadas e/ou convocadas para falar na CPI as empresas Betano, Blaze, Bet 365, Sportradar, Betsson, Betaway, Betfair, Netbet, Sportingbet, 1XBet e Dafabet.
Comissão na Câmara terminou sem votação do relatório
A comissão que investigava as manipulações de jogos terminou no dia 26 de setembro, mas sem uma votação do texto final do relator Felipe Carreras. Um pedido de vista conjunta foi solicitado pelos deputados José Rocha (União-BA), Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG), Márcio Marinho (Republicanos-BA) e Wellington Roberto (PL-PB), em que pedem mais tempo para analisar o relatório. No entanto, os parlamentares argumentaram na comissão que o relatório final "não diz nada com nada".
“Já peço vista desse relatório que não diz nada com nada, não diz nem aquilo que deixou de acontecer aqui nessa comissão, que foram debates acalorados, requerimentos aprovados de convocação e de convites que não foram concretizados”, disse o deputado Wellington Roberto, na última sessão da comissão.
Os trabalhos da CPI foram iniciados em maio e os deputados tinham um prazo de 120 dias para as investigações.
O que pode-se esperar da CPIae?
A investigação de casos de manipulação em jogos teve um novo início na última quarta-feira (17/4), com o começo dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado. A CPI será presidida pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO) e relatoria do ex-jogador Romário (PL-RJ).
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De acordo com o cronograma, estão previstas reuniões pelos próximos 180 dias, sempre às quartas-feiras, às 14h, para analisar os possíveis 109 casos de fraudes no futebol, segundo relatório da SportRadar, empresa que monitora e fornece dados para as bets.
Além disso, quando houver depoimentos de longa duração, a comissão poderá se reunir na segunda, às 15h. “Sabemos dos problemas que o nosso futebol vive. Aqui (na CPI), são pessoas que querem, definitivamente, colocar tudo a limpo, querem abrir as caixas-pretas dessas casas de apostas que existem no nosso país, entender, conhecer melhor que tipo de manipulação vem acontecendo e quais são os autores e atores dessas manipulações", afirmou Romário à Agência Senado.
O primeiro convidado pela comissão será o dono da SAF do Botafogo, o americano John Textor, forte acusador de supostos esquemas de manipulação de resultados com participações de jogadores e de equipes de arbitragens.
* Estagiária sob supervisão de Pedro Grigori
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