Planalto

Após MP não agradar, Lula pede novo programa energético

Solicitação do presidente a Alexandre Silveira ocorre após medida provisória do governo para usar recursos da Eletrobras na amortização da conta de luz, mas que também aumenta subsídios para energia limpa

Presidente ficou insatisfeito com MP da energia e acionou Silveira -  (crédito: Valter Campanato/Agência Brasil)
Presidente ficou insatisfeito com MP da energia e acionou Silveira - (crédito: Valter Campanato/Agência Brasil)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que estude uma reforma do setor energético brasileiro. Há um consenso de que o modelo atual não se adequou às mudanças da matriz ao longo dos anos e que traz problemas estruturais que encarecem a conta de luz, cuja alta recente acendeu um alerta no Planalto. A pasta vai montar um grupo de trabalho para nova proposta e deve apresentá-la até o fim deste ano.

O pedido foi feito durante reunião com técnicos do setor na quarta-feira passada, com a participação de Lula, de Silveira e do ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Alexandre Padilha. A discussão ocorre após medida provisória (MP) do governo para usar recursos da Eletrobras na amortização da conta de luz, mas que também aumenta subsídios para energia limpa.

A medida não foi bem recebida por dois motivos principais: o aumento nos benefícios encarece a conta no futuro; e a operação para securitizar a dívida de R$ 26 bilhões da Eletrobras e pagar empréstimos tomados pelo setor não foi bem explicada. Para especialistas, mudanças concretas só serão atingidas com a reforma, e não com medidas paliativas.

"Eu gostaria que fossem apresentados os números com clareza. Não foram", disse ao Correio o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), sobre a operação da Eletrobras. Ele participou do encontro com Lula.

Segundo a MP, a ideia é transformar a dívida em títulos e vendê-los no mercado financeiro. Dessa forma, o governo recebe adiantado o valor que seria pago ao longo das próximas décadas, e o aplica para pagar empréstimos ao setor pela pandemia da covid-19, no valor de R$ 16 bilhões, e pela escassez hídrica de 2020 e 2021, de R$ 5,3 bilhões. Esses montantes hoje estão embutidos na conta. Com a quitação, o desconto ao consumidor pode ser entre 3,5% e 5% ainda neste ano, segundo estima o governo.

10% a mais na conta

O problema é que a medida precisa passar pelo Congresso Nacional, e não há uma precisão sobre o valor que pode ser arrecadado. Já sobre o aumento dos subsídios, esse montante também será embutido na conta. O texto prorroga por 36 meses o prazo para que usinas eólicas, solares e de biomassa acessem os benefícios do governo, com taxas menores para usar o sistema de distribuição e de transmissão de energia.

"Nossas estimativas são que isso pode acrescentar R$ 4,5 bilhões e meio por ano na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético, que reúne os encargos), que hoje chega a R$ 40 bilhões. Com mais R$ 4 bilhões, estamos falando de 10% a mais na conta", explicou Barata.

Crítico à MP, o ex-diretor da ONS vê como bom sinal a iniciativa do governo de discutir uma reforma aprofundada. "Chegou a hora de fazer um processo de revisão. Fiz até uma menção à reforma tributária. Todos entendem que é necessária essa revisão. Mudou a matriz de produção e mudou o lado do consumo, com ampliação do mercado livre de energia e o advento da geração distribuída", comentou. Ele defende ainda que a discussão é urgente, já que os resultados de uma reforma podem demorar de dois a três anos para render benefícios.

Um dos maiores problemas na conta de luz atual são os subsídios, que correspondem a cerca de 40% do valor. Legislações sobre energia elétrica tendem a atrair uma série de jabutis, emplacados pelo lobby do setor no Congresso. Barata cita o exemplo do marco regulatório para eólicas offshore, aprovado na Câmara e que está tramitando no Senado.

"Somos totalmente contra as emendas inseridas pela Câmara. Contratamos uma consultoria especializada e, se todas forem mantidas, pode haver incrementos de R$ 25 bilhões na CDE. Uma verdadeira loucura, se estamos reclamando de uma conta de R$ 40 bilhões. Nós falávamos de jabuti quando eram valores de R$ 1 bilhão, agora é um elefante", enfatizou.

MP mal explicada

Para a economista e professora da FGV Carla Beni, o tamanho da CDE é o grande problema da conta de luz atualmente. O valor saltou 129% entre 2019 e 2024. Os empréstimos da covid e da escassez hídrica estão contidos na CDE. No curto prazo, portanto, a quitação dos valores pode sim reduzir a conta para o consumidor. A professora ressalta, porém, que o governo não explicou bem a operação.

“Se vai reduzir ou não a conta de luz é a conferir, porque ela precisa passar pelo Congresso, e em 120 dias isso pode mudar. A gente precisa ver como será esse adiantamento do valor, se será integral, racional, dentro das regras da empresa. O governo precisa abrir um pouco mais como será. Especificar melhor justamente para que você não tenha depois questões futuras”, elucidou Carla.

Já o economista e consultor Sênior da GO Associados Murilo Viana destaca que o aumento dos subsídios para energia limpa contraria o objetivo da quitação dos empréstimos. “No curto prazo, a medida deve diminuir a conta, mas retira entrada de recursos no médio e longo prazo, ao mesmo tempo que manteve e renovou subsídios. Com isso, haverá pressão de queda de preço no curto prazo, com pressão de aumento no médio e longo prazos”, avaliou.

A mesma preocupação é colocada pelo advogado e economista Conselheiro Deliberativo da ACSP (Associação Comercial de SP) Alessandro Azzoni. “Essa forma de subsídios é paga na conta de luz, e não por incentivos governamentais. A medida não constitui uma solução estrutural para a questão a longo prazo dos custos energéticos e existe o risco de a fatura aumentar no futuro”, pontuou. Para ele, os resultados concretos precisam vir da reforma do setor, levando em conta a modernização da infraestrutura, políticas energéticas eficazes e o uso de energias renováveis.

 

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postado em 15/04/2024 03:55 / atualizado em 16/04/2024 17:54
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