O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), fez, ontem, um alerta para as próximas eleições brasileiras, em outubro: a desinformação e discursos de ódio vão se repetir, tal como aconteceu em 2022 e 2018. Em palestra no Brazil Conference at Harvard & MIT, evento organizado por pesquisadores brasileiros em Boston, nos Estados Unidos, o magistrado afirmou que o pleito municipal ainda terá uma ameaça adicional — o uso de tecnologias de deepfake, que conseguem falsificar voz e imagem para fabricar peças artificiais e espalhar conteúdos sem a autorização da pessoa envolvida.
- Inteligência artificial sem regras desafia a Justiça Eleitoral
- Deepfakes: saiba como identificar o novo tipo de fake news eleitorais
Mas, para o ministro, esse perigo não está restrito ao Brasil — trata-se, segundo ele, de um fenômeno mundial. "Um grande problema que o mundo enfrenta, e vai enfrentar de novo onde houver eleições este ano, é o uso das plataformas digitais para desinformação, discurso de ódio e teorias conspiratórias. Isso agora vai acontecer sob o espectro do deepfake, que é capaz de colocar a mim ou outros dizendo coisas que nunca dissemos sem que seja possível identificar que aquilo é uma fraude", adverte.
Para Barroso, "a humanidade corre risco de perda da liberdade de expressão porque somos ensinados a acreditar no que vemos e ouvimos. O dia em que não pudermos acreditar no que vemos e ouvimos, a liberdade de expressão será perdida". O presidente do STF citou outros riscos às eleições e ao convívio social que se misturam à natureza do que nomeou "populismo autoritário".
"A característica central do populismo é a divisão da sociedade em duas: nós, o povo puro, decente e conservador; e eles, as elites cosmopolitas, progressistas e corrompidas. A primeira falha conceitual desse populismo é a ideia de que só eles representam o povo, quando o povo é plural sempre. Ninguém pode reivindicar para si o monopólio da representação de um povo", disse.
Inimigos
Barroso afirma que, além de dividir a sociedade intencionalmente, esses movimentos se apoiam na comunicação direta com as massas, passando por cima de instituições intermediárias, como o Legislativo, a imprensa livre e a sociedade civil. O "populismo autoritário" também elege inimigos para manter seus apoiadores mobilizados.
"Na maior parte dos casos, um dos inimigos eleitos são as supremas cortes, os tribunais constitucionais. Foi o que aconteceu na Hungria, na Polônia, na Turquia, na Rússia e na Venezuela. Também foi o que aconteceu no Brasil", disse Barroso, sem citar os ataques feitos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores ao STF.
"Populistas autoritários geralmente gostam de cortes preenchidas com juízes submissos ou com poderes limitados. Porque o papel de uma suprema corte é limitar o poder político, assegurar o Estado de Direito e direitos fundamentais, inclusive contra maiorias políticas", frisou.
Para o ministro, as supremas cortes têm papel importante na resistência a ataques contra a democracia, mas ele salientou que nenhum tribunal resiste sozinho — é necessário o engajamento da sociedade civil, sobretudo da imprensa e de forças políticas democráticas. Barroso lembrou, ainda, que cortes análogas ao STF perderam na Rússia, na Hungria e na Venezuela, mas, no Brasil, venceram, ainda que tenha ficado "por um triz".
Captura da religião
Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, a apropriação de discursos religiosos com fins eleitorais é um risco à democracia. A advertência vem no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva busca uma maneira de se aproximar dos evangélicos não apenas para melhorar sua populariade, mas, também, para reduzir a influência do ex-presidente Jair Bolsonaro nesse segmento.
"Um fenômeno que precisa ser tratado com delicadeza é a captura da liberdade religiosa pela política extremista que, em algumas partes do mundo, colocou líderes religiosos a serviço de determinadas causas políticas. A pior coisa que pode acontecer é um líder religioso dizer: 'Meu adversário é o representante do demônio na Terra e, por isso, é preciso enfrentá-lo'. Isso é um desrespeito à integridade do processo eleitoral", criticou.
Embora Barroso não tenha explicitado, na corrida presidencial de 2022, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro comparou Lula ao diabo. "Quem é o pai da mentira? É o diabo, um homem mentiroso, que quer voltar à cena do crime, que quer voltar a roubar. Mas que, antes de tudo isso, quer colocar todos na cadeia. Porque ele está com uma lista, está com sede de vingança, está com sangue nos olhos para se vingar de todos aqueles que se levantaram contra ele", disse a ex-primeira-dama.
Golpismo
Barroso disse, ainda, que é preciso que o STF volte a ser "menos proeminente" — embora considere que seja necessário prosseguir com os processos sobre a tentativa de golpe de Estado, em 8 de janeiro de 2023, com a depredação das sedes dos Três Poderes.
"Precisamos voltar a um STF que seja menos proeminente o mais rápido possível. Mas não podemos fingir que essas coisas (tentativa de golpe e invasão dos Três Poderes) não aconteceram. Infelizmente, ainda precisamos seguir nesses processos por um pouco mais de tempo. Mas, aí, surgiram investigações mostrando que estávamos mais perto de um golpe de Estado do que imaginávamos. Chegamos muito perto do impensável no Brasil. Estávamos mais próximos ao colapso do que achávamos, constatamos agora", salientou.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br