Numa parceria com a Universidade de Brasília (UnB), e dentro da 2ª Semana Nacional de Jornalismo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), ocorreu nesta sexta-feira (5/4) um debate sobre os 60 anos do golpe na instituição. Alguns jornalistas contaram suas experiências sobre aquele período, que enfrentaram como estudante e depois como profissionais no exercício da profissão. A diretora da Faculdade de Comunicação (FAC) da UnB, Dione Moura, abriu o evento.
O jornalista Moacir Oliveira Filho relatou sua prisão por três meses no Doi-Codi, em São Paulo, a partir de maio de 1972, quando o regime vivia um momento de radicalização. Depois de solto, viveu o que chamou de prisão domiciliar, imposta pelo regime, por ter que comparecer semanalmente ao local, um reconhecido centro tortura e morte dos opositores da ditadura, para assinar um livro.
"Nunca sabia, quando ia lá, se ia ficar ou não. Se seria preso ou não", relata Moacir sobre a apreensão que viveu naquela época.
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Do período da prisão mesmo, ele disse que a tortura no local era a regra geral. Ele conta que foi torturado para entregar seus companheiros, mas que não tinha muitas informações. Ele lembra que citou o nome de um militante que já não se encontrava em São Paulo, que teria ido para a região da Guerrilha do Araguaia.
"Eu estava numa situação confortável porque não tinha muito o que falar. A tortura tinha um propósito de te fazer sentir um derrotado. Quando você falava algo, era vitória para eles. Ainda assim, fui torturado quatro dias, quando identifiquei alguém em uma foto. Aí, amenizou", lembrou Moa, como Moacir é conhecido.
Também perseguido e preso pela ditadura algumas vezes, o jornalista Helio Doyle, que já trabalhou no Correio, entre outras redações, como Estado de São Paulo e Veja, contou sua experiência com o regime no debate. Do movimento estudantil ao trabalho de repórter, Doyle viveu com os agentes da ditadura no seu encalço.
"A ditadura acabou quando eu tinha 34 anos. Não era possível aceitar uma ditadura. Não é fácil viver 21 anos sob esse regime de exceção", disse o jornalista, que integrou uma agremiação que defendia a luta armada, o PCdoB, cujas fileiras de militantes protagonizaram a Guerrilha do Araguaia.
Das dificuldades de se matricular no curso de jornalismo na UnB, por sua atuação contra o regime, a restrições na atuação de jornalista, Doyle viveu um pouco de tudo. "Como jornalista, não podíamos ter credenciais para fazer determinadas coberturas, como na Presidência da República, nos ministérios militares, que eram quatro, no Itamaraty. E isso limitava nosso campo de atuação. Fui impedido de fazer uma cobertura na África, já que viajávamos num avião da FAB (Força Aérea Brasileira). Eu trabalhava no Estadão, e não me aceitaram. O Estadão, que apoiou a ditadura, nesse momento já a combatia", relatou Doyle.
Outro jornalista alvo da opressão do regime, Aylê-Selassiê teve experiência na UnB, onde foi dirigente de diretório acadêmico, e atuou na profissão. Ele se recorda das inúmeras tentativas de invasão na universidade. "Muitos servidores, alunos e professores foram presos. O boato de fechamento da UnB circulava. Os militares diziam que o campus preparava guerrilheiros. Os militares acreditavam que o país caminhava para o comunismo", disse Aylê, que está lançando o livro "Território livre - é proibido proibir", que trata sobre esse período da universidade.
O debate desta sexta, que ocorreu na UnB, foi mediado pelo também jornalista Armando Rollemberg, outro que foi perseguido e preso na ditadura, e dirigente hoje da ABI. Participaram ainda da mesa os professores da universidade Fernando Oliveira Paulino e Mariana Ferreira Lopes.
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