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Análise: aberta Caixa de Pandora da política fluminense

As conexões criminosas são conhecidas nos meios policiais, jurídicos e políticos, mas estavam blindadas pela profundidade e extensão do crime organizado e o pacto de silêncio entre as autoridades no Rio de Janeiro

O mito da Caixa de Pandora explica a criação da mulher, suas qualidades e suas fraquezas. Prometeu roubou o fogo de Zeus e o entregou aos mortais, para garantir aos homens a superioridade sobre os animais. O fogo era exclusividade dos deuses, e Zeus, o todo-poderoso do Olimpo, resolveu se vingar. Encarregou Hefesto, deus do fogo e dos metais, e Atena, deusa da justiça e da sabedoria, de criar Pandora.

Pandora foi a primeira mulher na Terra. Recebeu qualidades como graça, beleza, inteligência, paciência, meiguice, habilidade na dança e nos trabalhos manuais. Ao ser enviada à Terra, Zeus entregou-lhe uma caixa com a recomendação de que a mesma não deveria ser aberta.

A caixa guardava todas as desgraças: a guerra, a discórdia, o ódio, a inveja, as doenças do corpo e da alma. Mas também continha a esperança. Curiosa, Pandora não resistiu e abriu a caixa. Ao fazê-lo, liberou todos os males, menos a esperança. O caso Marielli Franco, finalmente desvendado pela Polícia Federal, abriu uma caixa de Pandora na política fluminense.

Nada a ver com o inquérito da cassação e prisão do ex-governador de Distrito Federal José Roberto Arruda, batizado pela Polícia Federal como Operação Caixa de Pandora. Desta vez, trata-se de desnudar as relações mafiosas entre policiais corruptos, banqueiros de bicho e milicianos com os políticos do Rio de Janeiro.

Suspeitos de mandar matar a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, os irmãos Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, e Chiquinho Brazão, deputado federal; e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil fluminense, são os elos que faltavam para esclarecer o crime.

Os irmãos Brazão e Rivaldo Barbosa foram presos após a homologação da delação de Ronnie Lessa, que também está preso e é acusado de executar o crime. A ordem de prisão foi expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, responsável pela investigação no Supremo Tribunal Federal (STF), com a concordância da Procuradoria-Geral da República (PGR).

A prisão do deputado federal Chiquinho Brazão, que tem foro privilegiado, rompe a blindagem do esquema mafioso, porque o caso está no Supremo, saiu da esfera da Justiça fluminense. O ministro Gilmar Mendes, do STF, diante dos fatos, disse que é preciso refundar as instituições políticas e os órgãos de segurança pública do Rio de Janeiro.

Essas conexões são conhecidas nos meios policiais, jurídicos e políticos, mas estavam blindadas pela profundidade e extensão do crime organizado e pelo pacto de silêncio entre as autoridades no Rio de Janeiro. A maioria não se manifesta porque tem medo de morrer, como aconteceu com Marielle.

A Polícia Federal considera Rivaldo Barbosa a chave para desvendar essas relações mafiosas. É apontado como responsável por planejar o assassinato da vereadora e de impedir as investigações do crime, encomendado pelos irmãos Brazão, por conta da atuação da parlamentar contra loteamentos irregulares em áreas de milícia.

Crimes insolúveis

Com fama de bom moço, Rivaldo era respeitado como policial, inclusive pela família de Marielle, porém, de forma dissimulada, conduziu a investigação para não chegar aos verdadeiros culpados. As primeiras suspeitas surgiram no começo das apurações. O miliciano Orlando Curicica já estava preso na Penitenciária Federal de Mossoró (RN) quando uma testemunha procurou a PF e declarou que ele e o ex-vereador Marcello Siciliano eram os mandantes do atentado.

Segundo o relatório da PF, a intenção era criar um bode expiatório para obstruir as investigações. Rivaldo estaria envolvido com diversos crimes, como organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No depoimento aos policiais federais, Orlando Curicica contou que existia um sistema de pagamento mensal previsto para que o comando da Delegacia de Homicídios não investigasse os assassinatos.

O pagamento funcionava como uma mesada e variava entre R$ 60 mil e R$ 80 mil. Remessas adicionais deveriam ser pagas nos casos dos crimes que deixavam provas e rastros. Curicica dá como exemplo de mortes ligadas à contravenção que não foram investigadas as de Marcos Falcon, presidente da Portela, executado a tiros em setembro de 2016, e Haylton Carlos Gomes Escafura, assassinado com a mulher em um hotel na Barra da Tijuca em 2017.

No caso de Geraldo Antônio Pereira, morto em um tiroteio em uma academia de ginástica no Recreio dos Bandeirantes, em 2016, a DHC teria recebido de uma pessoa ligada ao contraventor Rogério Andrade cerca de R$ 300 mil para não "perturbar" os prováveis envolvidos na execução. A prisão dos irmãos Brazão e de Rivaldo abriu a Caixa de Pandora da degenerada política fluminense.

 

 

 

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