Seis meses após deixar a prisão em razão da negociação de um acordo de delação premiada com a Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi novamente encarcerado. O retorno do militar à detenção ocorre em meio à revelação de áudios em que ele relata ter sofrido pressão da PF e classifica como "narrativa pronta" o inquérito que investiga uma tentativa de golpe de Estado.
As acusações de Cid nos áudios fizeram com que ele fosse chamado a prestar depoimento, nesta sexta-feira, no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o termo da audiência, divulgado pela Corte, na oitiva, o militar disse que a sua delação foi feita "de forma espontânea e voluntária". "Afirma não ter havido pressão do Judiciário ou da polícia", destaca um trecho.
Também segundo o documento, Cid relatou não se recordar para quem "falou as frases de desabafo, num momento ruim". Ele listou nomes de parentes e amigos com quem tem mantido contato, mas frisou que não se comunica com "nenhum político, ninguém do Judiciário, ninguém de núcleo/esfera política".
Questionado sobre quem são os "policiais" que queriam que ele falasse coisas que não sabia ou não teriam acontecido, respondeu que "ninguém o teria forçado". "Nunca houve induzimento às respostas. Nenhum membro da Polícia Federal o coagiu a falar algo que não teria acontecido", acrescentou.
Ele também confirmou "integralmente" o último depoimento que deu à PF, no último dia 11. "Não foi pressionado e respondeu a todas as perguntas", enfatizou, conforme o termo da audiência. "Deseja manter o acordo de colaboração premiada. Deseja manter nos exatos termos que foi celebrado."
Após o depoimento, Cid recebeu voz de prisão. Ele desmaiou e precisou ser avaliado pela equipe médica do STF. O militar foi levado ao batalhão de polícia do Exército, em Brasília, onde permanecerá. O Supremo informou que o encarceramento preventivo ocorreu por ordem de Moraes por descumprimento de medidas cautelares e obstrução de Justiça.
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O depoimento de Cid ocorreu na sala de audiências do STF, foi presidido pelo desembargador Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Participaram a defesa e o representante da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Na avaliação dos investigadores e de Moraes, os áudios representam obstrução de Justiça porque foram feitos para difusão nas redes sociais, contra a corporação e o Supremo. Além disso, ele tratou nas gravações de temas que deveriam ter sido mantidos em sigilo, em razão da delação.
Também nesta sexta-feira, foram realizadas buscas na casa do militar, em Brasília, e apreensão de documentos, celular e arquivos digitais que podem colaborar com as investigações.
Para integrantes do Supremo e da PF, é alta a chance de que que o acordo de delação premiada seja suspenso. A decisão será tomada nos próximos dias. Se o acordo for anulado, Cid perde todos os benefícios a que teria direito, como redução de pena, responder em liberdade e retirada de medidas cautelares. As declarações feitas por ele durante as oitivas também podem ser desconsideradas. No entanto, provas apresentadas pelo militar, como troca de mensagens com outros investigados, documentos — caso da minuta golpista encontrada em um computador ligado a ele — e interceptação de ligações telefônicas, continuam válidas.
Mauro Cid se tornou personagem central nas investigações sobre golpe de Estado. Ele se comunicou com militares, autoridades federais e estaduais e teria participado da elaboração de ações e estratégias que miravam a derrubada de instituições democráticas.
Ao decidir por falar o que sabe, ele implicou o ex-presidente Jair Bolsonaro, integrantes da cúpula das Forças Armadas na gestão do ex-chefe do Executivo, entre outros.