Na reunião ministerial de ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou um claro recado para os integrantes do primeiro escalão do governo: entreguem mais realizações e comuniquem melhor as iniciativas que vêm sendo levadas adiante pelo Poder Executivo. Ele salientou que 2023 serviu para colocar a casa em ordem, mas, neste ano, o objetivo é cumprir promessas de campanha e acordos firmados.
"Todo mundo sabe que ainda falta muito para a gente fazer, em todas as áreas. E esse muito não é nada estranho. É tudo aquilo que nos comprometemos a fazer durante a disputa eleitoral", alertou.
Reuniões como a de ontem são para rearrumar as posições e cobrar explicações e melhorias. O pano de fundo foi a queda na popularidade de Lula e na aprovação do governo, como apontaram pesquisas de opinião.
Apesar de integrantes do Palácio do Planalto terem atribuído os maus percentuais à comunicação ineficiente — já que a percepção negativa do eleitorado vai no sentido inverso ao dos bons resultados econômicos de 2023 —, o presidente deu a entender que não se trata apenas de fazer uma melhor divulgação das iniciativas governamentais. A melhoria na percepção da população passa, também, por entregar o que a sociedade espera.
Por isso, enfatizou que as realizações do primeiro ano de mandato "não bastam". Lula dera a entender, na semana passada, que 2023 passou e, agora, a popularidade só será recuperada com o que será apresentado ao longo deste e dos próximos anos.
"Todo mundo aqui sabe que recuperar uma coisa estragada é mais difícil do que começar uma nova. Todo mundo sabe a quantidade de obras em cada área que vocês pegaram, sobretudo na Saúde. Foi um trabalho hercúleo para recuperar tudo isso", reconheceu.
O presidente advertiu, ainda, que o governo terá de trabalhar com limitações orçamentárias, o que demandará a aplicação mais criteriosa do dinheiro público. "O pessoal já olha para a Simone Tebet (ministra do Planejamento e Orçamento) achando que é ela que está cortando; ou para o (Fernando) Haddad (ministro da Fazenda). Muitas vezes, é a necessidade que está cortando. Vamos ter que fazer um trabalho imenso para repor, porque sem dinheiro os ministérios não funcionam", frisou Lula.
Todas as advertências que o presidente fez, porém, não quiseram dizer que considera eficiente a divulgação do governo. Ao ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, Lula foi enfático.
"Se as pessoas não falam bem da gente, ou das coisas que a gente faz, nós é que temos que falar", advertiu.
Mas a reunião não serviu apenas para que Lula se queixasse. Ele elogiou a equipe, sobretudo o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, por ter, segundo o presidente, aberto 98 novos mercados externos para os produtos brasileiros.
Fávaro, por sinal, é o responsável por construir pontes entre o governo e o agro — setor ainda majoritariamente bolsonarista. Senador licenciado pelo PSD matogrossense, ele está por trás da organização de um churrasco, previsto para quinta-feira, na Granja do Torto, de Lula com representantes do setor agrícola.
"Covardão"
Lula abriu a reunião investindo pesadamente na polarização e atiçando as bases petistas. Chamou o antecessor, Jair Bolsonaro, de um "covardão" que fracassou ao tentar dar um golpe de Estado porque membros da alta cúpula das Forças Armadas rejeitaram a pretensão. Na sexta-feira passada, vieram à tona os depoimentos, à Polícia Federal (PF), dos ex-comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, nos quais afirmaram terem se oposto à quartelada arquitetada pelo ex-presidente.
"Hoje, temos certeza de que este país correu um sério risco de ter um golpe em função das eleições de 2022. E não teve golpe não só porque algumas pessoas que estavam no comando das Forças Armadas não quiseram fazer, mas também porque o presidente era um covardão", atacou Lula.
Segundo o presidente, "ele (Bolsonaro) não teve coragem de executar aquilo que planejou. Ele ficou dentro de casa, chorando, por quase um mês. Fugiu para os Estados Unidos, na expectativa de que fora do país o golpe poderia acontecer, porque eles financiaram as pessoas das portas dos quartéis para tentar estimular a sequência do golpe".
Ele foi além: acusou o governo Bolsonaro de "estimular o ódio entre as pessoas, espalhar mentiras". "Ele (o ex-presidente) continua fazendo do mesmo jeito. Hoje, nós temos mais clareza do significado do 8 de janeiro, porque a gente sabe o que aconteceu em dezembro (de 2022)", afirmou.
O presidente ainda criticou o uso político da religião. Pesquisas de opinião mostram que Lula tem dificuldades em conquistar simpatias, sobretudo no eleitorado evangélico — majoritariamente fechado com o bolsonarismo. "Que a fé seja exercitada na mais plena liberdade pelas pessoas que querem exercê-la. A gente não pode compreender a religião sendo manipulada da forma vil e baixa como está sendo neste país", criticou.
Sem "efeito aerossol"
Na avaliação dos ministros Rui Costa, da Casa Civil, e de Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação, a preocupação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é evitar que não haja dispersão da comunicação do governo no momento de divulgar alguma medida — aquilo que classificaram como "efeito aerossol", quando a mensagem não chega ao interlocutor final e parte dela fica pelo caminho. Eles prometeram ajustes nas divulgações, embora argumentem que não houve tempo hábil para que as ações anunciadas ao longo do ano sejam percebidas pela população.
"O que o presidente pediu é que cada ministro e ministra procure revisitar tudo o que lançou. Que ele não quer ver anunciados novos programas, e sim concretizar aquilo que foi lançado. Já tem um portfólio bastante robusto e que a gente procure agregar, em indicadores que sejam compreendidos pela população. (Isso é) para evitar o que a gente chama de 'efeito aerossol': quando você pulveriza demais e não comunica de forma concentrada", observou Costa.
"O presidente sempre repete que 2023 foi para botar a casa em ordem. Tudo aquilo que foi feito (no ano passado), as famílias começam a sentir a mudança na qualidade de vida e o resultado da política pública, a partir deste ano", acrescentou Pimenta.
Os ministros acreditam que o balanço apresentado ontem mostra indicadores positivos na economia, na saúde, na educação e na segurança. Entre os dados apontados estão o do percentual de desemprego em 7,8%, o investimento de R$ 1,9 bilhão em escolas de tempo integral e a redução de 22% no desmatamento da Região Amazônica. Para Costa e Pimenta, o impacto das medidas deve aparecer ao longo do ano.
Mas a preocupação em comunicar melhor os feitos do governo também é pressionada pelo calendário eleitoral. Uma das metas do Palácio do Planalto é evitar, por meio da exibição de bons indicadores e medidas positivas junto à população, o avanço do bolsonarismo nas prefeituras, em outubro.
Principais pontos do encontro
» Lula continua apostando na polarização ao classificar Jair Bolsonaro como um "covardão" que não teve coragem de dar um golpe de Estado por falta de apoio militar. Ao lembrar do antecessor na abertura de uma reunião ministerial, atiça as bases petistas.
» Para o presidente, o foco dos ministros não deve ser nos novos programas a serem anunciados pelo governo, mas, sim, na concretização do que já foi divulgado.
» A ideia de Lula é garantir que não haja ações demais para que todas sejam executadas e divulgadas corretamente.
» Agenda da equipe econômica para 2024, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem como meta a estabilização da dívida pública, e o estímulo e a melhoria do ambiente de negócios. Entre as medidas estão: as propostas da "agenda verde", que criam o mercado de carbono; o Programa Mover, com ênfase na descarbonização dos veículos; os Combustíveis do Futuro, para fazer com que o país reduza a emissão de carbono; e o marco legal do hidrogênio verde e das eólicas offshores.
» Com a redução de 22% no desmatamento da Região Amazônica, as atenções, agora, se voltam para a preservação do Cerrado.
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