Depoimentos de ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica à Polícia Federal, que vieram a público, nesta sexta-feira, colocam o ex-presidente Jair Bolsonaro no centro de uma tentativa de golpe de Estado. O plano seria colocado em prática no fim de 2022, antes, portanto, de o petista Luiz Inácio Lula da Silva assumir a presidência da República.
As declarações feitas pelo general Marco Antonio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e pelo brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, ex-chefe da Aeronáutica, deixam claro que Bolsonaro tentou, pessoalmente, cooptar os militares para derrubar a democracia.
Os depoimentos dão detalhes dos encontros convocados por Bolsonaro — que já haviam sido citados na delação do ex-ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid —, e ainda implicam ex-integrantes do governo do ex-presidente, como o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, que teria apresentado uma das versões da "minuta de golpe" aos ex-comandantes das Forças Armadas; e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que teria explicado aspectos jurídicos para embasar as medidas de exceção consideradas por Bolsonaro. A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) também é mencionada.
Na oitiva à PF, em 1º de março, Freire Gomes relatou uma reunião, realizada em 11 de novembro de 2022, em Brasília, na qual Filipe Martins, então assessor da Presidência, leu um texto golpista para os demais, na presença de Bolsonaro. Em seguida, os civis, integrantes do governo, deixaram o local, e o presidente ficou apenas com os militares e Torres. Martins foi um dos presos na Operação Tempus Veritatis, em fevereiro.
O general não é investigado, mas foi chamado a depor como testemunha em razão de mensagens que Cid lhe enviou citando a "minuta de golpe". De acordo com a PF, as mensagens foram trocadas após uma reunião, no fim de novembro de 2022, em Brasília, de oficiais suspeitos de apoiar um golpe. Freire Gomes foi chamado para o encontro com Bolsonaro no Palácio do Planalto juntamente com os demais comandantes: Baptista Junior e o ex-chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos.
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Conforme a delação de Cid — confirmada agora pelos depoimentos de Freire Gomes e Baptista Junior — os ex-chefes do Exército e da Aeronáutica se opuseram ao plano golpista. Já Garnier teria se colocado à disposição do ex-presidente. À PF, o almirante se calou.
Baptista Junior, por sua vez, afirmou aos investigadores que, em dezembro de 2022, Bolsonaro sondou a cúpula das Forças sobre um golpe. Ainda de acordo com o ex-chefe da Aeronáutica, em outra reunião, na qual o ex-presidente voltou a abordar o tema, Freire Gomes chegou a falar em prender Bolsonaro caso ele desse andamento ao plano golpista (leia reportagem na página 3).
Implicações
Juristas ouvidos pelo Correio afirmam que as novas informações tornam a situação jurídica de Bolsonaro ainda mais complexa e dificultam os argumentos da defesa.
Conrado Gontijo, doutor em direito penal econômico pela Universidade de São Paulo (USP), vê uma ligação entre as situações descritas nas oitivas e os atentados de 8 de janeiro, em Brasília. "A minuta do golpe não foi usada, mas revela uma intenção muito clara dele para discutir um meio que lhe permitisse ficar no comando do país mesmo após o resultado das eleições. O ponto definitivo e final foi o dia 8 de janeiro", destacou.
Acácio Miranda, doutor em direito constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP-DF), destaca as semelhanças entre os depoimentos de Baptista Junior e Freire Gomes, o que indica veracidade das declarações. "Hoje, temos minimamente elementos suficientes de autoria e materialidade para que Bolsonaro seja denunciado", frisou. (Com Agência Estado)
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