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Senado avança com PECs e vira alvo de críticas de especialistas

Entre analistas, há quem entenda já existir um excesso de alterações na Carta Magna e que essas mudanças deveriam ser mais pontuais. Por outro lado, tem quem avalie que os temas tratados só podem ser apreciados mesmo como emenda constitucional

No Congresso Nacional, particularmente no Senado, avança a tramitação paralela de pelo menos quatro emendas constitucionais sobre temas diversos. São Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tratam da posse e do porte de armas, do fim da reeleição, de fixar o tempo de mandato para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de regulamentar o direito dos militares disputarem eleição. No fim do ano passado, os senadores já haviam aprovado a emenda que limita decisões monocráticas de integrantes da Corte, texto que está parado na Câmara dos Deputados.

Advogados constitucionalistas ouvidos pelo Correio Braziliense comentaram esse volume de alterações na Constituição, promulgada há 36 anos. Entre os especialistas, há quem entenda já existir um excesso de alterações na Carta Magna e que essas mudanças deveriam ser mais pontuais. Por outro lado, tem quem avalie, em opinião divergente, que os temas tratados só podem ser apreciados mesmo como emenda constitucional.

Na próxima quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado começará a decidir sobre a criminalização da posse e do porte de drogas, independentemente da quantidade encontrada no momento de flagrante. Esse debate ganha ritmo e forte apoio entre os senadores. O relator da proposta é o senador Efraim Filho (União-PB).

O mesmo assunto está sendo discutido no STF, razão que fez os senadores pautarem o tema. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já declarou que o tema é exclusivo do Congresso e que ocorre uma invasão de competência da Câmara e do Senado.

A Suprema Corte julga a descriminalização do porte para uso pessoal de maconha e a definição de parâmetros para a distinção do uso pessoal e tráfico. Na semana passada, o ministro Dias Toffoli pediu vistas (mais tempo para análise) e não há previsão para que o assunto volte à pauta.

A gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem um posicionamento fechado sobre o assunto, diz o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). "O governo ainda não tem uma posição firmada. Entre os partidos, cada um terá seu posicionamento. Esse é o tipo de tema que não adianta querer unidade da base. Não sei se o governo terá posição ou se vai liberar", afirmou o petista. Para o advogado e cientista político Nauê Bernardo Azevedo, esse volume de PECs indica que "há certa dificuldade em entendermos que a metodologia de mudança da Constituição não é complicada por acaso", apontou.

"A ideia é que ela fosse alterada pontualmente para englobar situações específicas, não que se tornasse uma saída para constitucionalizar qualquer aspecto do direito. Me parece haver a necessidade de repensarmos esta prática", explicou o especialista.

Azevedo entende também que se criou um movimento no Legislativo de fazer parecer que "basta alterar a Constituição para coisas que possivelmente seriam assunto de lei ordinária, enquanto algumas leis ordinárias atingiram um status de quase imutabilidade".

Reeleição

A emenda pelo fim da reeleição para cargos executivos, outra alteração patrocinada por Rodrigo Pacheco, começou a caminhar no Senado. Pelo texto, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), presidente da República, governadores e prefeitos deixarão de ter direito de se reelegerem para dois mandatos de quatro anos. Se aprovada a proposta, o país terá a volta de um mandato único de cinco anos. O senador Marcelo Castro (MDB-PI) é o relator.

Ao Correio, interlocutores de Castro, que também relata o projeto do novo Código Eleitoral, apostam que a proposta será votada até junho. Nessa matéria, o governo tem posição e é contra, já se manifestou nesse sentido o presidente Lula. Perguntado se entende que há um excesso, uma sanha, do Senado em alterar a Constituição, o advogado Guilherme Barros, mestre em direito público, afirmou que é preciso ter em conta os temas tratados nessas PECs.

"Quanto ao funcionamento do STF, me parece questão constitucional, não obstante a matéria, e a minha crítica vem daí, que não possa ser tratada mediante atropelo. Reeleição, de igual modo. É matéria eminentemente constitucional. Drogas, não. Isso não é matéria, afeta ao texto constitucional, lidando, de outra forma, com legislação penal. Portanto: sanha nunca é algo proveitoso para tratar de temas espinhosos. De um lado e de outro, diga-se", respondeu Barcellos.

Sobre a PEC do fim da reeleição, ele explica ser um tema sensível e de relevância para a organicidade o país. "Vale lembrar, aliás, que a reeleição foi estabelecida também via emenda (PEC). Uma emenda de ocasião, inclusive, lá em idos de 1997. Não vejo como sendo interesse específico ou momentâneo aqui. De modo que a pergunta que trago é: deu certo? Isso é tema que precisaremos discutir. Não apenas quanto à reeleição. Mas, também, quanto ao nosso sistema de governo."

Constituição: 132 emendas desde 88

Desde sua promulgação, em 1988, até hoje, a Constituição já recebeu 132 emendas. O advogado Wilton Gomes lembra que há cerca de mil Proposta de Emenda à Constituição (PECs) tramitando no Congresso, pelos mais diversos motivos. Ele elenca duas razões principais para esse número, que considera excessivo, de projetos que visam mudar a Constituição.

“A primeira delas é histórico da nossa Constituição. Os constituintes, em 1988, visando uma composição pós-ditadura militar, aceitaram vários tipos e formas de pressão e normatizaram diversos temas estranhos a uma Carta Constitucional. Regulamentaram temas que poderiam ser facilmente objetos de leis complementar e ordinária. Não é por outra razão que, em apenas 35 anos de existência, a Constituição possui 132 emendas”, disse ele, que é doutor em direito público pela Universidade de São Paulo (USP).

“A título de comparação, a Constituição dos Estados Unidos, com mais de 230 anos de existência, possui apenas 27 emendas”, afirmou Gomes. “Outra razão pela qual há um número excessivo de PECs é, sem sombra de dúvida, o cenário de conflito político partidário, genuinamente polarizado, com discursos em certa medida antagônicos, em que a oposição ao governo federal significativamente numerosa tem força para dar andamento aos projetos de emenda à Constituição Federal”, completou.

Em meio a tantas propostas tramitando ao mesmo tempo, o governo busca negociar seus interesses. É o caso da proposta que aumenta os requisitos de tempo de serviço para que militares possam concorrer em eleições sem perda de remuneração. O Planalto busca que a PEC vá à votação no plenário até abril e que o texto original, de autoria de Jaques Wagner, seja mantido, deixando de fora policiais militares. A oposição não descarta aprovar uma versão que agrade o governo, em troca, quer ampliar os direitos dos militares que passem à reserva.

Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, as mudanças propostas por meio de PECs, em relação ao Supremo, “constituem menos uma necessidade de complementar a Carta Magna e, muito mais, a ânsia em demonstrar poder em face do STF”. E emendou: “As PECs que pretendem limitar os poderes dos ministros do STF, e fixar-lhes um mandato temporário, atendem ao afã de dar uma resposta à altura àquele tribunal, pelo fato dele estar extrapolando de sua função de ‘julgar’, invadindo a competência do Poder Legislativo, competente para legislar”.

No caso da emenda que trata do porte e uso de drogas, Chemim explica que, apesar de tudo indicar que o STF vai tomar a decisão sobre o tema antes do Congresso Nacional debater e decidir, a palavra final será do parlamento. “A partir do momento que o Poder Legislativo inicie o debate e aprove essa mudança na legislação sobre drogas, o que prevalecerá será certamente a decisão do Poder Legislativo, competente
em legislar. Ou seja, ele tem competência constitucional para legislar”, afirmou. 

 

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