Por conta da reconstrução de sua relação com os militares, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou e orientou aos seus ministros e a todo o governo que não realizem quaisquer atos, solenidades, discursos ou produzam material em memória dos 60 anos do golpe militar. O petista não quer criar novas arestas com as Forças Armadas num assunto que ainda é caro à caserna, mesmo sendo a atual geração do Exército, da Marinha e da Aeronáutica outra bem diferente.
Lula está envolvido diretamente nessas tratativas para impedir manifestações no governo em alusão ao golpe de 1964. O Correio apurou que, na tarde da última quinta-feira, o presidente tratou desse assunto em conversa com o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida. Essa pasta tem uma programação extensa prevista para lembrar a data, e que foi tema de reportagem do Correio em janeiro deste ano, mas que já estaria sendo revista diante do posicionamento do presidente.
O Palácio do Planalto informou que não iria comentar o assunto. A assessoria do Ministério dos Direitos Humanos, por sua vez, negou que o encontro entre Almeida e Lula tenha ocorrido.
O Ministério da Justiça chegou a anunciar ano passado, na gestão do então ministro, Flávio Dino, a criação de um Museu da Memória e da Verdade, a ser inaugurado neste 31 de março, obra que seria financiada com recursos dessa pasta, mas o projeto, até segunda ordem, não vai sair do papel. Esse anúncio foi feito no Chile, na lembrança dos 50 anos do golpe dado pelos militares que derrubou Salvador Allende. Em Santiago, as autoridades brasileiras — como Dino e Silvio Almeida — discursaram. Mas a ordem aqui é evitar o assunto 1964.
Ordem expressa
Dentro do governo essa orientação do presidente está sendo tratada como uma “ordem expressa de Lula”. O posicionamento do presidente está sendo entendido também dentro do Planalto como a “outra face” da história: se os militares, via declaração do ministro da Defesa, José Múcio, não irão divulgar nota com a chamada “Ordem do Dia” lembrando o 31 de março, do lado dos civis o proceder será igual, ainda que essa orientação do governo enfrente críticas de familiares e de vítimas da ditadura, que já ficaram contrariados com suas declarações recentes sobre aquele período.
Em recente entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, da RedeTV, Lula afirmou que não quer ficar “remoendo” esse passado e que é preciso “tocar o país para a frente”. E se disse mais preocupado com a tentativa de golpe no 8 de janeiro de 2023.
“O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações, porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que pode se apurar. Mas eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar este país para frente”, completou.
A decisão de Lula de evitar alarde e alusões aos 60 anos do golpe atinge várias agendas que já vinham sendo montadas em vários setores do governo. A Comissão de Anistia, por exemplo, previa uma pauta de julgamento de casos emblemáticos, num evento que seria batizado de “Semana do Nunca Mais”, algo que, ao menos com esse nome será engavetado.
A postura adotada por Lula, nesse momento, é da sinalização de que dificilmente a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta no final do governo de Jair Bolsonaro, será recriada. Um decreto com essa previsão já está pronto e na mesa do presidente, há quase um ano, aguardando apenas sua assinatura. O presidente não quer atos em memória aos 60 anos do golpe.