judiciário

Barroso: país esteve à beira do 'impensável'

Em aula magna na PUC-SP, presidente do STF dá indícios daquilo que a Corte já sabe sobre a tentativa de golpe arquitetada por Bolsonaro e seus principais auxiliares, antes a derrota eleitoral para Lula

As frases espirituosas e bem-humoradas do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, provocaram risos na plateia da aula magna do curso de direito da PUC de São Paulo, ontem, apesar da aridez e da complexidade do tema da palestra. Ao falar sobre democracia e ameaças de golpe de Estado no século 21, o magistrado sintetizou, com um jogo de palavras, as investigações comandadas pelo STF que apuram a tentativa de subversão da ordem constitucional para impedir que Luiz Inácio Lula da Silva assumisse a Presidência da República. Segundo Barroso, o inquérito está "revelando que estivemos mais próximos do que pensávamos do impensável".

"Achávamos que já havíamos percorrido todos os ciclos do atraso institucional para termos que nos preocupar com ameaça de golpe de Estado no século 21", disse o ministro, ao se referir à Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, que incluiu de forma definitiva o ex-presidente Jair Bolsonaro na trama golpista.

Barroso lembrou aos alunos do curso de direito que o Brasil viveu, em seu período pós-redemocratização, 35 anos de estabilidade institucional, apesar de dois impeachments de presidentes (Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff) e de "casos imensos de corrupção". Mas, em momento algum, como ressaltou, foi cogitada uma alternativa "que não fosse o respeito à legalidade constitucional e às regras do jogo democrático".

"Esse problema só entrou no radar, infelizmente, nos últimos anos, de maneira muito preocupante", reconheceu o presidente do STF. Barroso criticou a politização das Forças Armadas ao afirmar que os militares "foram manipulados e arremessados na política por lideranças".

"Talvez tenha sido uma das coisas mais dramáticas para a democracia", disse Barroso, antes de taxar de "papelão" a presença de oficiais das Forças Armadas na comissão montada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para aferir a segurança das urnas eletrônicas.

"Fizeram um papelão no TSE. Convidados para ajudar na segurança e na transparência (do processo eleitoral), foram induzidos por uma má liderança a ficarem dando suspeitas falsas, quando a lealdade é um valor que se ensina nas Forças Armadas", criticou Barroso.

O inquérito dos atos golpistas entrou, em fevereiro, na fase mais aguda, com a convocação, pela Justiça, de oficiais de alta patente para explicar a participação de militares e o papel do então presidente Jair Bolsonaro na conspiração. Entre as provas colhidas pela PF, está uma minuta de decreto cujo objetivo era melar as eleições e provocar uma intervenção na Justiça Eleitoral.

"Além de coisas que ficamos sabendo, como o uso da inteligência governamental para perseguir adversários, o incentivo aos acampamentos de golpistas, o desfile de tanques na Praça dos Três Poderes, ataques à imprensa, culminando no 8 de janeiro, que não foi um processo espontâneo, mas uma articulação", avaliou o ministro.

Sem citar, em momento algum, o nome de Jair Bolsonaro, Barroso analisou a influência da religião ("um fenômeno global") e o poder das notícias falsas para interferir no processo eleitoral. "Não se pode aparelhar a religião para servir a causas. Usar a religião e dizer 'O meu adversário é o demônio', é uma forma pavorosa de manipular a crença e a ingenuidade das pessoas", lamentou.

Maconha

O STF retoma, nesta quarta-feira, o julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, perto de formar maioria para fixar uma quantidade da droga para diferenciar o usuário de um eventual investigado por tráfico. O placar do julgamento está em 5 x 1, e a discussão será retomada com o voto do ministro André Mendonça.

Barroso ressaltou que o objetivo da Corte é fazer com que se crie uma regra "que valha para todo mundo e não seja definida pelo policial no ato da prisão". "Não tem a ver com descriminalização, mas impedir uma injustiça e a discriminação", observou.

"Quem despenalizou o porte pessoal de droga foi o Congresso, ao deixar de prever pena de prisão para o usuário. O que foi uma decisão feliz porque não adianta nada prender as pessoas que, conforme o caso, podem precisar de tratamento", disse.

Segundo Barroso, "o que o STF vai decidir é qual a quantidade que deve ser considerada para tratar como porte ou tráfico. Sem o STF ter essa definição, como não está na lei, quem a faz é a polícia. E o que se verifica é um critério extremamente discriminatório. Dependendo se um bairro é de classe média alta ou de periferia, a mesma quantidade recebe tratamento diferente. Nos bairros mais favorecidos, é porte; nos menos, é tráfico".

A ação que tramita no STF trata da constitucionalidade de trecho da lei de drogas que estabelece punições para o porte de drogas de uso pessoal. O julgamento foi iniciado em 2015, mas sofreu interrupções — a mais recente, resultante do pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro André Mendonça, em agosto passado.

O foco da corrente, por enquanto vencedora, é estabelecer parâmetros para diferenciar o porte pessoal do tráfico. Até aqui, o posicionamento com maior força no STF é o do ministro Alexandre de Moraes, no sentido de presumir como usuárias as pessoas flagradas com 25g até 60g de maconha, ou que tenham a posse de seis plantas fêmeas.

Na última sessão, o ministro Cristiano Zanin inaugurou divergência no julgamento, votando contra a descriminalização. Mas ele sugeriu fixar a quantidade máxima de 25 gramas para diferenciar usuário de traficante. (Com Agência Estado)

 

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