O Supremo Tribunal Federal (STF) pode mudar o entendimento, aprovado há cerca de seis anos, que tornou mais restrita a competência da Corte no julgamento de ex-parlamentares que renunciam ao mandato ou que são cassados. Relator de um habeas corpus, o ministro Gilmar Mendes abriu a apreciação, nesta sexta-feira, se manifestando favoravelmente a um novo entendimento que amplia o foro privilegiado.
"Numa sociedade altamente polarizada, marcada pela radicalização dos grupos políticos e pelo revanchismo de parte a parte, a prerrogativa de foro se torna ainda mais fundamental para a estabilidade das instituições democráticas", defendeu o magistrado em seu voto.
A posição de Mendes é de que deputados, senadores e outras autoridades com prerrogativa de foro devem seguir sendo julgados por esses colegiados mesmo após o fim do mandato, renúncia ou cassação, desde que o crime apurado se relacione ao exercício do cargo ou função. Mas nos casos de delitos praticados antes de o investigado assumir o cargo, ou não tendo relação com o exercício da função, não devem ser analisados pela Corte.
"Por se tratar de prerrogativa do cargo, e não de privilégio pessoal, o foro privativo para atos cometidos no exercício das funções deve substituir mesmo após a cessação do exercício funcional", destacou Mendes.
Ele ressaltou que a constante troca de jurisdição, quando, por exemplo, um processo é enviado para a primeira instância ou para o Supremo, acaba, muitas vezes, gerando impunidade, pois a demora no trâmite pode acarretar em prescrição dos crimes dos investigados, que até renunciam ao cargo para atrasar os julgamentos.
"A renúncia ao mandato no curso da instrução criminal atingia essa finalidade, porque retardava o julgamento da causa e, no limite, provocava a prescrição da pretensão punitiva", frisou o magistrado.
Após o voto de Mendes, o ministro Cristiano Zanin acompanhou o entendimento do colega, e quando o placar estava em 2 a 0 pela ampliação do foro especial, o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, fez um pedido de vista, interrompendo o julgamento.
Apesar disso, os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino resolveram antecipar seus votos, se posicionando favoravelmente à extensão do foro privilegiado, acompanhando integralmente o relator.
"A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício", ressaltou Dino.
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Processo
O pedido de vista de Barroso já era esperado. Em 2018, o ministro foi o defensor da mudança no entendimento que ampliou as restrições para a aplicação do foro especial. A medida foi responsável por reduzir em 80% os casos criminais de responsabilidade dos 11 magistrados.
A ação que levou o Supremo a rediscutir o entendimento da amplitude do foro especial é um habeas corpus em favor do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que responde a uma denúncia de "rachadinha" no seu gabinete do tempo em que era deputado federal.
A ação começou a tramitar no STF, mas, em função da renúncia do parlamentar para assumir o cargo de vice-governador do Pará, o processo foi enviado para a primeira instância. Agora, com a volta ao Congresso, o senador espera que a Corte retome a análise da ação.
O julgamento ocorre no plenário virtual, em que não há debate entre os ministros, mas, com o pedido de vista de Barroso, mesmo que outros magistrados antecipem os votos, o julgamento fica suspenso sem uma data para ser concluído. Com o placar de 4 a 0 pela ampliação do foro especial, faltam apenas dois votos para formar maioria.
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