Análise

Alexandre Garcia: Fim de campanha

"É como uma segunda-feira após eleição, com o asfalto cheio de propaganda mentirosa deixada no chão", diz o jornalista

Bolsonaro estava sendo investigado sob a suspeita de intervir no desvio e na tentativa de venda de joias sauditas -  (crédito:  EVARISTO SA / AFP)
Bolsonaro estava sendo investigado sob a suspeita de intervir no desvio e na tentativa de venda de joias sauditas - (crédito: EVARISTO SA / AFP)

Durou seis anos. Foi um longo tempo. Mais que uma daquelas novelas inacabáveis, mas acabou. Interessante que acaba registrando na partitura da história o sinal musical, em italiano, Da Capo. Para assinalar que o final já estava lá no começo e, agora, basta repetir os acordes e a letra.

O então ministro da Justiça e Segurança Pública, a que se subordina a Polícia Federal (PF), hoje senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), lembra. Ele postou no X (antigo Twitter) que, em 2019, já aparecia o nome do mandante e o motivo. O governo na época quis terminar logo com a agonia e propôs que a PF assumisse o caso para concluir o inquérito. Mas a reação foi gigantesca. Acabar logo com essa campanha que tem a força dramática de um corpo de mulher assassinada? Perder a força dos ingredientes? Jamais. Não, deixem a Polícia Civil do Rio conduzir a novela, sob a batuta do delegado Rivaldo Barbosa. Nem o Felix Caignet, de O Direito de Nascer, faria melhor.

E durou seis anos, desde o assassinato, em março de 2018. Os Brazão já estavam citados, talvez até a espelhar um triste trocadilho como aumentativo de Brasil. Mas ficaram ocultos porque o alvo eram os Bolsonaro.

Noticiaram até que miliciano, assassino de Marielle, fora à casa dos Bolsonaro em um condomínio na Barra da Tijuca. Por 300 semanas se insinuava nas redes sociais ou na tevê e jornais que o sobrenome Bolsonaro bordejava o assassinato de Marielle como a faca de Adélio tangenciou os órgãos vitais do candidato naquele mesmo ano de 2018.

Mas não dá para comparar os dois casos. Um brigava pelo território da zona oeste do Rio, o outro queria o território inteiro do Brasil.

Era uma questão fundiária de Jacarepaguá e adjacências, mas a campanha a converteu em luta pela democracia, e até pelo LGTBQIA e o feminismo. A exploração do assassinato rendeu até um ministério para a irmã da vítima. Seu currículo: ser irmã da vítima.

Não podiam anunciar logo o que estava já evidente em 2019. Precisava render mais frutos. Havia outra eleição presidencial pela frente e era preciso manter os Bolsonaro como futuros indiciados pela morte de Marielle. Afinal, vivemos em tempos em que ninguém se pergunta o que está engolindo. Engolir sem perguntar fica mais fácil. E ninguém perguntava que interesse teriam os Bolsonaro na morte da vereadora.

As prisões não vão resolver muito. O conselheiro do Tribunal de Contas vai ganhar aposentadoria; o deputado vai ter um suplente sobrinho de bicheiro — nepotismo ao pé-da-letra. O delegado deve ter investido muito do que rendeu a Delegacia de Homicídios. E, quem sabe, todos acabarão soltos antes de qualquer senhorinha da Bíblia flagrada derrubando o governo por abolição violenta do Estado de Direito.

Agora a novela acabou. Terminou a campanha. É como uma segunda-feira após eleição, com o asfalto cheio de propaganda mentirosa deixada no chão. Pairando o desrespeito de usar um cadáver para tentar assassinar a reputação de viventes e de um sobrevivente. Aliás, o mistério que resta desvendar é de que gabinete da Câmara Federal partiu a autorização para o fantasma de Adélio entrar, enquanto ele enfiava a faca em Juiz de Fora.

 

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postado em 27/03/2024 03:55
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