Entidades, parentes de vítimas e perseguidos e presos pela ditadura militar reagiram com indignação, tristeza e irritação às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que está mais preocupado com a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023 do que com a quartelada de 31 de março de 1964. Em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, da RedeTV!, o petista disse que "isso já faz parte da história" e que não ficaria "remoendo" o episódio de 60 anos atrás.
João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, deposto pelos militares em 1964, classificou de absurdo o comentário. Avaliou que o presidente demonstrou desinteresse pela história e desrespeito pelas vítimas da ditadura.
"É um absurdo essa falta de interesse de dar conhecimento às novas gerações do sangue que o Brasil derramou em luta pelo restabelecimento democrático. Ele gosta muito de ser apoiado, mas parece não gostar de nossos mártires tombados no golpe", afirmou.
Para a Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia — que reúne dezenas de entidades e militantes dos direitos humanos —, as palavras de Lula foram "equivocadas" e que falar sobre 1964 não é remoer o passado.
"Repudiar veementemente o golpe é uma forma de reafirmar o compromisso de punir os golpes também do presente e eventuais tentativas futuras. (...) Falar sobre 1964 é falar sobre os projetos autoritários e elitistas da sociedade, que continuam ameaçando a possibilidade de o Brasil se afirmar como um país soberano, capaz de produzir desenvolvimento econômico e socioambiental com inclusão e democracia. É, portanto, falar sobre o futuro", diz nota divulgada pela entidade.
Exilada e presa na ditadura, a psicóloga Vera Vital Brasil ficou chocada com as palavras de Lula. Segundo ela, o presidente repetiu a lógica dos militares de 1964 e busca valorizar a tentativa de golpe de 8 de janeiro.
"O presidente não faz a conexão necessária entre o passado e o presente. Individualiza sua experiência, botando uma pá de cal nos horrores do passado ditatorial. E os militares estão, como sempre estiveram, com a aquiescência dos sucessivos governos, tutelando os períodos mais progressistas. Lamentável", lastimou.
Comissão
Neto de um desaparecido político — Mário Alves de Souza Vieira, que foi dirigente do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) —, o músico Leo Alves irritou-se com o desdém do presidente. E afirmou que os parentes insistirão com o governo pela volta da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta no final do governo de Jair Bolsonaro. A minuta de decreto da recriação do colegiado está sobre a mesa de Lula.
"Recebo com profunda indignação a declaração. Digo mais: estamos organizados em dezenas de entidades de direitos humanos para seguir nessa luta. Vemos que o presidente está pisando em ovos, mas não podemos negociar com direitos conquistados. Lula está diminuindo a relevância histórica do que representou o golpe de 64, na véspera de completar 60 anos", observou.
Diva Santana integrou a Comissão de Mortos e Desaparecidos e tem uma irmã — Dinaelza Santana Coqueiro — desaparecida na Guerrilha do Araguaia (1966-1974). Para ela, Lula não pensou nas dores dos parentes ao afirmar que não remoerá o passado.
"É muita falta de respeito, ainda temos desaparecidos. Foi uma pedrada, um acinte, um desrespeito. Lula se elegeu com o voto da militância, de gente que deu sua vida pelo país no passado, que foram presas, torturadas, exiladas. Só posso lamentar", criticou.
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