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Climão entre Mercadante e Tebet na posse de Cappelli

Presidente do BNDES exige mais investimento público e corte, dentro do Orçamento, no custeio da máquina pública. Ministra do Planejamento rebate a "provocação"

Uma divergência de opiniões entre Aloizio Mercadante e Simone Tebet por pouco não se tornou um mal-estar capaz de ofuscar a posse de Ricardo Cappelli, ontem, na presidência da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) — que reuniu vários ministros, governadores, prefeitos e parlamentares. O começo do constrangimento começou quando o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) cobrou da ministra do Planejamento mais investimento público no Orçamento da União.

"Temos que ter medidas de defesa comercial e proteger o mercado, assim como o resto do mundo está fazendo, ou não teremos reindustrialização. Como a nossa ministra Tebet está aqui, cortar gasto público é como cortar cabelo — tem que fazer porque sempre tem desperdício. Mas vamos cortar no custeio, vamos melhorar a eficiência do gasto público, vamos cortar no desperdício e vamos retomar o investimento público em parceria com o setor privado. Com isso, esse país vai voltar a crescer, vai voltar a surpreender", disse Mercadante.

O presidente do BNDES foi além: apesar de reconhecer que o país não pode renunciar à estabilidade econômica, disse que a política industrial dos países ricos passa pelo investimento público a fundo perdido — ou seja, sem o compromisso da entidade recebedora do recurso de devolvê-lo. "O mundo está botando dinheiro a fundo perdido na inovação. Nos Estados Unidos, US$ 1,2 trilhão; na Europa, US$ 1,7 trilhão; no Japão, US$ 1,5 trilhão. O Brasil não pode botar nem US$ 60 bilhões", criticou.

Tebet deixou claro que as afirmações de Mercadante a constrangeram. Além de dizer "não posso deixar de responder algumas provocações, algumas delas do meu querido colega de trabalho e companheiro", rebateu o presidente do BNDES afirmando que "temos que parar de governar para o passado".

"Quando o Mercadante fala que é preciso cortar gastos, mas com sabedoria, é isso que estamos fazendo. Tive uma reunião com o ministro (Fernando) Haddad e disse não é possível um país da grandeza do Brasil pagar R$ 80 bilhões em precatórios, em dívidas passadas, e não ter isso para investimento", rebateu.

A ministra ainda lembrou que sua maior atribuição no governo federal é ser uma voz dissonante. "Quando o presidente Lula me colocou nesse ministério, me deu uma missão: a de ser esse equilíbrio na equipe econômica, muitas vezes ser uma voz dissidente. Que bom que estou precisando falar tão pouco como dissidente e muito mais como voz harmoniosa junto à equipe do ministro Haddad. O nosso foco está no combate a esses juros exorbitantes, na criação de postos de trabalho, com carteira de trabalho. Não vamos cortar nada daquilo que interfere na vida daqueles que mais precisam. Entre a responsabilidade fiscal e a justiça social, não há uma escolha de Sofia. É um que garante o outro", alfinetou.

Ao fim da cerimônia, enquanto Cappelli era cumprimentado, o Correio flagrou Tebet e Mercadante no palco debatendo calorosamente. A reportagem indagou às assessorias do presidente do BNDES e da ministra sobre o teor da discussão, mas, até o fechamento desta edição, não obteve resposta.

Prestígio

A posse deixou evidente o prestígio que o ex-secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública na gestão de Flávio Dino ainda desfruta no governo federal. Afinal, contou com a presença de 11 titulares de pastas do primeiro escalão da Esplanada.

Além dos ministros, boa parte da bancada de parlamentares do PSB e os três governadores da legenda — Carlos Brandão (MA), João Lins Filho (PB) e Renato Casagrande (ES) — marcaram presença. Cappelli, que foi o interventor federal na segurança pública do Distrito Federal depois da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, lembrou de sua atuação ao saudar a presença do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Ao referir-se ao diretor geral da Polícia Federal, delegado Andrei Rodrigues, o agora presidente da ABDI recorreu à ironia: disse que entenderia se ele tivesse que se ausentar no meio da cerimônia — uma referência ao depoimento de Jair Bolsonaro e de integrantes do governo do ex-presidente à PF, também ontem.

"Quero saudar o nosso diretor-geral da PF e dizer: o senhor é o único que tem carta branca para sair a qualquer momento (da cerimônia). Pelo que soube, tem muito trabalho hoje (ontem). Então, fique à vontade. Não será nenhum constrangimento", disse o ex-número dois do Ministério da Justiça. O vice-presidente Geraldo Alckmin — outro que compareceu ao evento — sorriu ao escutar o comentário de Cappelli.

As presenças de tantas figuras do primeiro time do governo Lula não passou despercebida ao presidente da Federação das Indústrias do DF (Fibra) e vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Jamal Jorge Bittar. "Dificilmente se tem uma posse como você (Cappelli) está tendo aqui, com tantas autoridades", enfatizou.

A ABDI é uma agência de fomento e formulação de políticas para o desenvolvimento do setor produtivo. Integrante do Sistema S — do qual fazem parte o Sesi e o Senac — não integra a administração pública direta, mas tem a diretoria executiva nomeada pelo presidente da República.

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