De origem aristocrática, o minueto foi uma dança muito popular na corte de Luís XIV, o Rei Sol, monarca conhecido pela frase-síntese do absolutismo: "L'état, c'est moi" (o Estado sou eu). Nos séculos XVII e XII, difundiu-se pela Europa, com ecos por aqui, por ser uma dança alegre e de passos miúdos, que não exigia um grande vigor físico, mas apenas ritmo para acompanhar o compasso 3/4. O minueto inspirou nossos sambistas a dançarem o "miudinho"; na política, "dançar miudinho" é sinônimo de saia justa, isto é, um grande constrangimento.
Muitos compositores incluíram o "minuit" em suas sonatas, sinfonias e músicas de câmara, como Bach, Haydn, Mozart, Beethoven e Paderewski. O minueto da Sinfonia nº 40 de Mozart, porém, nada tem de elegante nem gracioso, mas exprime um grande sentimento de angústia. É mais ou menos o que está acontecendo com a diplomacia brasileira após as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o massacre israelense em Gaza, em retaliação ao atentado terrorista do Hamas.
Lula chamou o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para dançar um minueto, mas errou o compasso. Ao comparar o líder israelense a Hitler, e a situação dos palestinos em Gaza à dos judeus nos campos de extermínio nazistas, cometeu um grave erro diplomático, porque tirou a questão da trégua humanitária e das negociações de paz do seu contexto e provocou uma crise diplomática entre Brasil e Israel. Netanyahu, um político populista e experiente, que confronta até os aliados, acusou Lula de antissemitismo, um trauma secular para a comunidade judaica do mundo inteiro, inclusive aqui no Brasil.
Netanyahu reagiu de forma virulenta como sempre faz, mas foi hábil ao tirar de foco o massacre promovido pelas Forças de Defesa de Israel em Gaza, uma retaliação desproporcional ao atentado terrorista do Hamas, mesmo considerando-se a questão dos reféns. Além disso, declarou Lula persona non grata em Israel e humilhou o embaixador brasileiro Frederico Salomão Duque Estrada Meyer ao convocá-lo para uma reprimenda oficial no Museu do Holocausto e não na sede do Ministério de Relações Exteriores.
Com 70 anos, Meyer é um embaixador experiente, que já atuou no Cazaquistão, de 2006 a 2011, e no Marrocos, de 2011 a 2015. Também serviu nas missões diplomáticas brasileiras no Iraque, na Rússia, na Suíça, em Cuba, na Guiana e junto às Nações Unidas. Certamente, se fosse consultado, recomendaria ao presidente Lula focar suas declarações nas negociações em curso entre Israel e o Hamas, via Estados Unidos, Egito e Catar, para libertação dos reféns e uma nova trégua humanitária. Deixar o confronto pessoal com Netanyahu em segundo plano.
A resposta de Lula não foi nem será um pedido de desculpas, como exigem Netanyahu e a comunidade israelita no Brasil, o que seria uma humilhação. Foi também escalar a crise diplomática, ao convocar o embaixador de Israel no Brasil para uma dura conversa com o chanceler Mauro Vieira e chamar o embaixador Meyer de volta ao Brasil. No rito diplomático, são mensagens duras, que antecedem rompimentos diplomáticos, porém, na maioria das vezes são chumbo trocado, e param por aí mesmo.
Genocídio e antissemitismo
A esquerda brasileira acusa o atual governo de Israel de genocida, enquanto a direita revida qualificando-a de antissemita. As duas narrativas dominam os debates sobre a guerra de Gaza nas redes sociais e na mídia, mas a nossa diplomacia não pode cair nessa armadilha, ou seja, na polarização política que existe no Brasil. Netanyahu é aliado de primeira hora do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem informações privilegiadas sobre a situação do Brasil, até porque houve intensa colaboração entre os serviços de inteligência dos dois países. Sabe que a extrema direita brasileira é influente no Congresso e tem apoio de grande parcela da população.
A recíproca não é verdadeira na relação de Lula e do PT com a oposição a Netanyahu em Israel. Historicamente, a esquerda brasileira apoia os países árabes. Além disso, há um antissemitismo mascarado como antissionismo na sociedade brasileira, desde o período colonial. O Brasil presidiu a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) que criou o Estado de Israel e sempre foi a favor da solução de dois estados para o conflito árabe-israelense. Tanto o Likud, partido de Netanyahu, como o Hamas, doutrinariamente, apostam na guerra contra essa solução.
Lula errou politicamente. Não sabemos se foi arroubo de oratória ou deliberado. Não vai se desculpar, porém já sabe que precisa relativizar as declarações sobre a guerra de Gaza, via a diplomacia, ou o Twitter da primeira-dama Janja da Silva. Tenta descolar sua crítica a Netanyahu da comunidade judaica, mas isso é leite derramado. Há uma questão subjacente que mereceria outra coluna, mas podemos resumir. Há um erro de conceito na sua diplomacia presidencial, que pode resultar num desastre para a política externa brasileira.
Lula era um líder dos países em desenvolvimento reconhecido e respeitado em todo o Ocidente. Ao tentar projetar sua liderança para além da esfera de influência da nossa liderança regional e da posição de 9ª economia do mundo, como fez na guerra da Ucrânia e, agora, em Gaza, não tem consenso interno nem projeção de poder para isso. Ou seja, dá um passo maior do que as pernas e se desgasta junto aos aliados dos países desenvolvidos. O papel de líder no Sul Austral, apenas, não vale essa troca.
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