A investigação da Polícia Federal sobre um plano do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de aliados para decretar um golpe de Estado no país mostrou a participação ativa da alta cúpula das Forças Armadas. Na ponta da revelação do escândalo está a delação do coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
As diligências apontam que uma reunião foi realizada em Brasília, em 5 de julho de 2022, para discutir um golpe de Estado. O encontro, de acordo com as informações colhidas no inquérito, foi chefiado por Bolsonaro.
Além dele, estavam no encontro o então ministro da Justiça, Anderson Torres; Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, à época ministro da Defesa; Mário Fernandes, então chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência da República; e general Walter Braga Netto, que estava ocupando o posto de Chefe da Casa Civil.
Em um trecho de uma conversa obtida pela PF, Braga Netto demonstrou muita irritação com oficiais das Forças Armadas que se recusaram a participar da ação golpista. A corporação detectou mensagens nas quais o militar faz referências indecorosas sobre os comandantes do Exército e da Aeronáutica, pois eles não queriam aderir ao plano.
Um deles era o general Marco Antonio Freire Gomes, então chefe do Exército. Braga Netto diz: “A culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do general Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”. E emenda: “Oferece a cabeça dele. Cagão.” Outro alvo dele foi o tenente-brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, na época comandante da Aeronáutica. Ele foi chamado de “traidor da pátria”. “Inferniza a vida dele e da família”, afirma Braga Netto.
O general Augusto Heleno também foi alvo da PF ontem. Segundo a investigação, ele teria monitorado o ministro do STF Alexandre de Moraes com o intuito de prendê-lo após a assinatura de um decreto de golpe de Estado.
A Polícia Federal afirmou que o ex-ministro da Defesa e general da reserva do Exército Paulo Sérgio Nogueira admitiu que a finalidade da participação das Forças Armadas na comissão de transparência das eleições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) era garantir a reeleição de Bolsonaro. Durante a reunião, o então ministro da Defesa afirmou que os comandantes das Forças Armadas viam a Justiça como “inimigo”.
O coronel da reserva do Exército Marcelo Câmara, um dos assessores mais próximos de Bolsonaro, foi preso ontem, suspeito de participar de uma organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado. Ele também é citado em investigações como a dos presentes oficiais vendidos pela gestão do ex-presidente e a da suposta fraude nos cartões de vacina.
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Espionagem
A reunião foi gravada em vídeo, e as imagens estão em poder da Polícia Federal. De acordo com Moraes, a gravação estava em um computador encontrado na casa de Mauro Cid.
No encontro, Augusto Heleno sugeriu que era hora de “virar a mesa” e vigiar instituições e autoridades. Ele ressalta que chegará um momento que não será mais o tempo de falar, mas, sim, de agir contra as instituições.
A PF aponta que o general indicou na reunião a ocorrência de espionagem paralela da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele sugeriu que agentes de inteligência fossem infiltrados de maneira ilegal nas campanhas eleitorais, mas alertou que eles poderiam ser identificados.
De acordo com a corporação, o então chefe do GSI prossegue em sua fala e evidencia a necessidade de os órgãos de Estado vinculados ao governo federal atuarem para assegurar a vitória de Bolsonaro.
“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”, disse Heleno.
VAR é a sigla em inglês para “Video Assistant Referee”, o chamado técnico de vídeo, usado no futebol para rever lances.
Outro alvo da PF, o general Estevam Theophilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, teria concordado com a ideia de golpe em uma conversa com Bolsonaro e seria o “responsável operacional” pela prisão de Moraes, em caso de golpe bem-sucedido. “Caso a medida de intervenção se concretizasse, os elementos indiciários já reunidos apontam que caberiam às Forças Especiais do Exército (os chamados Kids Pretos) a missão de efetuar a prisão assim que o decreto presidencial fosse assinado”, diz a decisão que autorizou a operação da PF, assinada por Moraes.
Kids Pretos
As investigações apontam que Theophilo teria usado a alta patente que possuía para “influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do golpe de Estado”. O ex-chefe do Comando de Operações Terrestres ainda teria o apoio do coronel Cleverson Ney Magalhães, seu assistente e responsável por organizar encontro para discutir com os “Kids Pretos” atos preparatórios para a intervenção.
“Houve, inclusive, por parte do grupo criminoso, organização de encontro específico na tentativa de arregimentar militares com curso de Forças Especiais (FE), que, segundo a Polícia Federal, coadunados com os intentos golpistas, dariam suporte às medidas necessárias para tentar impedir a posse do governo eleito e restringir o exercício do Poder Judiciário”, afirma Moraes.
Ele sustenta que a unidade seria fundamental para o plano golpista, pois detém o maior contingente de tropas do Exército. O documento traz ainda a informação de que, em 2 de janeiro de 2023, após a transição de governo, Cid relatou a Theophilo o temor de ser preso. “Fique tranquilo. Vou conversar com Arruda (comandante do Exército). Nada lhe acontecerá”, afirmou o general.
Em nota, o almirante Garnier disse que continua “buscando sempre fazer o que é certo”. Marinha e Exército também se pronunciaram em comunicado.
“Em relação à Operação da Polícia Federal Tempus Veritatis, a Marinha do Brasil reitera que não se manifesta sobre processos investigatórios em curso, sob sigilo, no âmbito do Poder Judiciário”, diz a instituição. “Consciente de sua missão constitucional, a MB reafirma que pauta sua conduta pela fiel observância da legislação, valores éticos e transparência.”
Já o Exército enfatizou que “acompanha a operação deflagrada pela Polícia Federal, prestando todas as informações necessárias às investigações conduzidas por aquele órgão”. O Correio não conseguiu contato com os demais citados (Com Agência Estado)
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