Foi apresentado no Senado, nesta segunda-feira (26/2), a nova proposta de redação para a reforma do Código Civil. O documento, divulgado pelos professores Flávio Tartuce e Rosa Marina de Andrade Nery, foi lido pela comissão de juristas responsável pela proposição de reforma e deve ser votado, junto as alterações, na primeira semana de abril na Casa. O texto aborda temas como de núcleo familiar, nova forma de reconhecimento de animais e diretrizes de direito digital.
No entendimento de Carlos Pianovski, doutor em Direito e membro da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, as novidades do relatório têm dupla finalidade. “A primeira é a consolidação, das normas do código civil, da evolução da jurisprudência, ou seja, das decisões dos tribunais superiores. O segundo fator consiste na apreensão de demandas da sociedade com o acréscimo de novas normas, mas também a modificação de normas já existentes e que podem ser compreendidas em desacordo com as demandas contemporâneas”, explica.
Na avaliação do especialista, nos últimos 20 anos ocorreu uma importante construção jurisprudencial desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na interpretação do Código Civil e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no controle da constitucionalidade. “Portanto, essas contribuições dos tribunais que consolidaram o perfil do direito civil nos últimos anos serão trazidas para o conjunto de normas do Código Civil”, analisa Pianovski.
Novas proposições
Um dos pontos propostos pela comissão é o reconhecimento de animais como seres sencientes, ou seja, capazes de reconhecer, sentir e vivenciar sentimentos como dor, angústia, solidão, amor, entre outros. Apesar das divergências sobre o assunto, a mudança leva em consideração discussões sobre a personalidade dos animais sob um olhar jurídico, como em casos de divórcio e ações de Habeas Corpus.
Sob um recorte do direito familiar, foi colocado em questão alterações em segmentos que garantam às crianças o direito de certas vontades mesmo sem o consenso dos pais. Para além, a adoção do termo “convivente” também se fez presente para mencionar a união estável, além de cônjuge.
Os conceitos atuais previstos no Código Civil de casamento, união estável e família monoparental também foram postos em questionamento e outros dois tipos de família foram propostos: a conjugal, composta por casamento ou união estável, e a não conjugal, formada por apenas um dos pais.
O membro da comissão de juristas, Carlos Pianovski, avalia que, o código civil, ao dispor da família a partir destes dois pilares, atende o que já decorre dentro da constituição da república. “Não se trata de criação de modelos de família para a sociedade. Trata-se de recepcionar na lei aquilo que já é vivenciado na sociedade e já é reconhecido tanto pela Constituição como pelos tribunais”, explica.
Já no direito digital, os direitos à desindexação e ao esquecimento se tornaram pontos importantes no debate. No âmbito do direito à desindexação, que corresponde a quebra de vínculos de sites a fim de desassociar dados pessoais de plataformas.
Na visão de Saulo Michiles, líder da comissão de direito digital da OAB, a interpretação jurídica do tema requer uma análise cuidadosa, especialmente considerando o Marco Civil da Internet. “O artigo 18 deste marco estipula que os provedores de internet não serão responsabilizados por danos causados por terceiros. Complementarmente, o artigo 19 visa assegurar a liberdade de expressão, proibindo a tomada de medidas técnicas para limitar conteúdos, salvo após ordem judicial. A aplicação desses artigos, entretanto, é complexa e deve passar pelo crivo do Recurso Extraordinário (RE) 1010606, que teve repercussão geral. Este RE definiu que no Brasil não existe o direito ao esquecimento”, analisa o líder.
Apesar da repercussão geral ter negado a existência do direito ao esquecimento, a jurisprudência nos tribunais de origem apresentam divergências entre si. “Alguns tribunais aplicam a repercussão geral indiscriminadamente, enquanto outros consideram a exposição humilhante e vexatória como critério, especialmente em casos envolvendo conteúdo infantil não autorizado pelos pais ou conteúdo sexual”, adiciona Michiles.
O direito ao esquecimento, que permite ao indivíduo não permitir que um fato pessoal seja exposto em público, já foi dado como inconstitucional pelo STF, porém, a discussão posta no relatório, segundo o relator Tartuce, visa “um conteúdo ofensivo e sem prejuízo à responsabilidade civil”.
Para o especialista, é crucial ressaltar que o assunto não se trata apenas do direito ao esquecimento. “ O que se faz necessário é a promoção da solidariedade e, acima de tudo, o respeito ao direito à memória, preservando a história. Entretanto, é imprescindível estabelecer limites claros no ordenamento jurídico entre a esfera pública e privada, uma regulamentação que também deve se estender ao ambiente virtual”, acrescenta.
*Estagiária sob supervisão de Ronayre Nunes
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