A proposta de um projeto de anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 e no vídeo da reunião ministerial de 5 de julho de 2022, feita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na manifestação de domingo, na Avenida Paulista, tem poucas chances de avançar no Congresso. Lideranças ouvidas pelo Correio, que preferiram não se identificar, deixaram claro que não há condições políticas para aprovar um texto dessa natureza.
Segundo essas lideranças, são reduzias as possibilidades de um projeto de lei sobre avançar por causa de alguns fatores. O primeiro é que este ano é eleitoral — em outubro haverá o pleito municipal em todas as unidades da Federação, exceto no Distrito Federal — e "não tem clima para isso", sentenciou um parlamentar. Outro aspecto é que pesquisas de opinião vêm mostrando que a maioria da população condena os atos de vandalismo dos bolsonaristas de 8 de janeiro de 2023. Também pesa contra um PL de anistia quem seriam os principais beneficiados — a princípio, o próprio Bolsonaro, militares que apoiaram o rompimento da normalidade democrática, além de financiadores e estimuladores da invasão às sedes dos Três Poderes.
Do alto do carro de som, na Paulista, Bolsonaro pediu "uma anistia para os pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. Há conciliação, nós já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil. Agora, pedimos a todos os 513 deputados e 81 senadores um projeto de anistia para que seja feita justiça em nosso Brasil". Única voz no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a comentar a manifestação de domingo, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, observou que "talvez seja a primeira vez na história que uma pessoa que cometeu atos criminosos chama um evento em praça pública, e lá, na praça pública, na frente da multidão, confessa o crime e vai além: pede perdão, pede anistia. É algo inusitado, para ficar registrado na história".
Para o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Alberto Carlos Almeida, mesmo que Bolsonaro tente encampar a bandeira de uma anistia, não deve ter êxito. "Pode tentar, mas não há como aprovar", afirma.
Seis projetos no sentido de anistiar os envolvidos nas tentativas de golpe correm na Câmara e dois, no Senado. Nas duas casas, têm como principal barreira parlamentares da base do governo.
Na Câmara, exceto o texto elaborado por Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), os demais são de autoria de parlamentares do PL — partido do ex-presidente. Entre os deputados, o entrave é a relatoria entregue a Sâmia Bomfim (PSol-SP), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
No Senado, uma das propostas é de Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e outra, de Márcio Bittar (União-AC). O texto do ex-vice-presidente do governo Bolsonaro está na Comissão de Defesa da Democracia, presidida pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que escolheu para relatá-lo o petista Humberto Costa (PE).
Mourão, aliás, protocolou, ontem, uma consulta pública sobre a anistia aos golpistas. Em 8 de fevereiro, quando foi desfechada, pela PF, a Operação Tempus Veritatis o senador fez um discurso da tribuna quando no qual pedia que as Forças Armadas reagissem a "arbítrios" e "processos ilegais" que o STF estaria cometendo contra militares — que foram alvo da ação dos investigadores.
Reconvocação
O discurso de Bolsonaro no ato de domingo pode piorar a situação do ex-presidente nos inquéritos que correm na Polícia Federal (PF). Quando disse que "agora o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa", há quem considere que ele cogitou essa possibilidade sem que houvesse as condições constitucionais para tal.
"O resultado que ele espera, que não seja condenado, que não seja preso — a manifestação não foi efetiva sobre isso. Não parece ter ajudado. Há até evidências contrárias, de que ele admitiu a tentativa de golpe", salientou Alberto Carlos Almeida.
O ministro Rui Costa fez uma avaliação semelhante. "Apenas uma surpresa. No que se refere ao conteúdo, com a confissão dos crimes praticados", observou.
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