Investigadores da Polícia Federal apontam que as apurações sobre a tentativa de golpe de Estado deram um passo decisivo na última semana. Na quinta-feira passada, de maneira simultânea, foram ouvidos o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, e o presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto. O ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu ficar em silêncio, o que, de acordo com autoridades ligadas às diligências, complica ainda mais a situação do capitão reformado do Exército. Nos próximos meses, a corporação se concentra em alinhar os pontos para fechar o organograma do esquema.
Na avaliação de investigadores ouvidos pelo Correio, já há provas suficientes para confirmar a existência de uma organização criminosa criada para atacar as instituições. O foco seria manter o ex-presidente no poder mesmo após ele perder as eleições. Argumentos de que o sistema eletrônico de votação foi fraudado e de que autoridades da Justiça Eleitoral agiram para beneficiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seriam usados para embasar uma série de decretos ilegais que tentariam invalidar as eleições.
A falta de articulação, o receio com reações internacionais e dúvidas sobre o embarque das Forças Armadas em um golpe, fizeram com que a tentativa de tomada de poder não ocorresse em dezembro de 2022. No entanto, culminaram nos atentados de 8 de janeiro, que, de acordo com a investigação — em andamento na PF e no Supremo Tribunal Federal (STF) —, contaram com núcleo político, financiadores e executores. Os ataques representaram o maior risco democrático da República dos últimos 40 anos — desde o fim do regime militar.
As investigações começaram horas após os atentados. Um ano depois, os executores e financiadores estão sendo julgados e condenados pelo Supremo. No entanto, falta fechar o modus operandi e a participação de agentes políticos, que atuaram como figuras centrais para tentar cooptar militares e incitar atentados perpetuados por meio de apoiadores mais radicais. Junto ao núcleo político, estão militares de alta patente, que estavam dentro e fora do governo, e atuavam para operacionalizar a tentativa de derrubada da democracia.
Oitivas
Dias antes da coleta dos depoimentos, Anderson Torres e Valdemar Costa Neto, em conversa com seus advogados, decidiram falar. Enquanto Jair Bolsonaro manteve o silêncio. Nas declarações de Torres e de Costa Neto, especialmente do ex-ministro, estão informações que confirmam linhas de investigação que já estavam sendo seguidas e implicam Bolsonaro diretamente. O receio do ex-ministro é de que, caso ele não colabore, seja afetado por eventuais declarações por parte de integrantes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e seja responsabilizado.
Surgiram rumores de que Torres poderia fechar um acordo de delação sobre o caso. Contudo, a reportagem apurou que essa alternativa está descartada neste momento pela defesa. A ideia é afirmar que o ex-ministro não tinha conhecimento dos riscos do 8 de janeiro e fez tudo o que estava ao seu alcance, naquele momento, com as informações que tinha, para permitir articulação das forças de segurança para proteger a capital.
No entanto, a decisão é de não proteger Jair Bolsonaro e deixar claro qual foi a participação do ex-presidente. A avaliação dos demais investigados é que existe um ponto de não retorno nas investigações, em que se reconhece que a situação jurídica do ex-presidente está ainda mais complicada, principalmente após a apreensão de um decreto de golpe, na área onde Bolsonaro despachava na sede do PL, em Brasília.
Assim que concluir o inquérito, a Polícia Federal enviará as informações ao Supremo. Também é necessário posicionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR). As diligências correm com o objetivo de "amarrar" todos os pontos da trama golpista, juntando provas, depoimentos, oitivas com testemunhas, acusados e coleta de dados que esclarecem os envolvimentos dos integrantes das organizações criminosas. As penas dos participantes dos atos golpistas aplicadas pelo Supremo, até agora, são consideradas rigorosas, muitas chegando a 17 anos de prisão.
No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, existe o agravante de que ele seria o principal beneficiado, caso o golpe desse certo. Dessa forma, ele permaneceria no poder. Os investigadores avaliam que ainda não se pode dizer que ele orquestrou todo o esquema ou chefiava as estratégias. No entanto, já evidenciam que ele seria beneficiário direto e manteve contato intenso com os demais, mesmo quando estava fora do Brasil.
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