A revelação do vídeo da reunião golpista de Jair Bolsonaro com seus ministros e outras autoridades do governo, ocorrida em 2022, começou a provocar baixas na Esplanada dos Ministérios. Apenas nesta sexta-feira, dois servidores — um do Itamaraty e outro da Advocacia-Geral da União (AGU) —, que compareceram ao encontro em que se falou em plano B, para sabotar as eleições, foram atingidos nas suas carreiras por medidas adotadas por auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O diplomata Comarci Nunes perdeu o cargo que ocuparia na Secretaria de Comunicação (Secom). Oficialmente, o conselheiro ainda está lotado na área de imprensa do Ministério das Relações Exteriores, mas já vinha despachando também na Secom e contribuiria no grupo de trabalho sobre o G20.
O ofício com pedido de sua transferência, feito pelo Planalto, ainda não havia sido assinado pelo chanceler Mauro Vieira. A presença de Comarci Nunes na reunião foi revelada pelo Correio, na última quarta-feira.
Já o procurador federal Adler Anaximandro de Cruz e Alves foi exonerado pela AGU da função comissionada que exercia no órgão, de coordenador da Diretoria de Gestão e Cálculo da Procuradoria-Geral Federal. Mas, na época da reunião de manifestações golpistas, ele era secretário-geral de Consultoria da AGU e estava sentado à mesa principal de Bolsonaro.
Comarci Nunes estava sentado numa das laterais da sala do Planalto. Na época, o diplomata era o primeiro-secretário do ministério e acompanhava, no encontro, o embaixador Fernando Simas Magalhães, então secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, que representava, na reunião, o chanceler Carlos França, ausente do país naquele momento. Simas — que não usou a palavra no encontro — foi designado embaixador do Brasil em Haia pelo atual governo.
Ao Correio, Comarci respondeu, na segunda-feira, sobre sua presença no encontro: "Na época da reunião, era primeiro-secretário. Acompanhei o embaixador Fernando Simas porque era assessor dele. Apenas isso". Nesta sexta-feira, a reportagem tentou contato com ele, sem sucesso.
A Secom informou que Comarci já vinha se adaptando ao novo trabalho e que a decisão de dispensá-lo foi "tomada diante das novas informações", em referência à revelação de que participou da reunião de Bolsonaro, de quase dois anos atrás.
Diz a nota da Secom: "Ele foi convidado a integrar a equipe que atua no G20, não da Secretaria de Produção e Divulgação de Conteúdo Audiovisual. E estava tomando par das atividades que iria exercer, por isso chegou a participar de algumas reuniões. A decisão de interromper o processo de entrada na equipe foi tomada diante das novas informações".
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Adler não era o único representante da AGU no encontro. O chefe dele, Bruno Bianco, que ocupava, naquele período, o comando da Advocacia-Geral da União, também compareceu e estava sentado próximo ao subordinado, separados por alguns lugares. Diferentemente de Adler, Bianco discursou.
A AGU informou, nesta sexta-feira, que foi aberta uma instrução preliminar, de natureza investigativa, para verificar se houve transgressão disciplinar por parte de Adler Alves. O encontro foi classificado pelo órgão como "reunião em que foram mantidas discussões de teor golpista".
A investigação vai durar 30 dias, prorrogável pelo mesmo período. "A finalidade é reunir os elementos necessários à formação do juízo de convicção da autoridade competente para a instauração de eventual procedimento disciplinar", explica.
A abertura da investigação se deu logo que se tomou conhecimento da presença dele na reunião.
Defesa
Adler Alves informou que sua participação no encontro se deu em razão de convocação formal e oficial recebida por ele no "sistema corporativo do correio eletrônico" da AGU, o designando para acompanhar Bianco. E foi motivada por um cargo anterior que havia ocupado, de chefe da Assessoria Especial da Presidência. Disse que o objetivo era fazer a apresentação de uma cartilha da AGU para as eleições, o que acabou não ocorrendo porque a pauta do encontro foi "diversa e alongada para além do previsto".
"Em relação às falas de algumas autoridades na reunião, esclareço que estas em nada alteraram a forma constitucional e republicana com que a gestão anterior da AGU sempre atuou. É de se destacar que apenas três dias após o resultado final das eleições de 2022, a Advocacia-Geral da União foi o primeiro órgão público federal a formalizar uma equipe de transição governamental, inclusive coordenada por mim mesmo, tendo ocorrido sem qualquer sobressalto dentro da instituição", ressaltou, em nota. "Além disso, registro que durante toda a gestão anterior, a AGU sempre primou pelo respeito aos Poderes constituídos e às instituições democráticas brasileiras, não havendo qualquer manifestação da AGU, escrita ou falada, em sentido oposto ao aqui afirmado."
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