Preso durante três anos pela ditadura militar, torturado e perseguido pelo regime de 1964, o ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda classifica como "esdrúxula" a discussão se o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo de auxiliares civis e fardados podem ser ou não ser julgados como protagonistas da tentativa de um novo golpe de Estado.
Para Nilmário, atual assessor especial da Defesa da Democracia, Memória e Verdade, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, esse debate não é novo e remete a episódios recentes da história, como o caso da explosão da bomba no estacionamento do Riocentro, no Rio de Janeiro, na noite de 30 de abril de 1981.
Naquele dia, ocorria um show em celebração ao 1º de Maio, Dia do Trabalhador, quando dois agentes do Doi-Codi, órgão criado para combater opositores da esquerda, planejavam explodir um artefato no local, onde artistas renomados se apresentavam. A bomba, porém, explodiu no interior do carro em que estavam os dois militares, um modelo Puma. Matou o sargento Guilherme do Rosário e feriu o capitão Wilson Machado, ambos do Exército. Machado, anos mais tarde, foi promovido a coronel.
A Justiça Federal no Rio aceitou a denúncia contra os seis acusados pelo Ministério Público Federal. Já o Superior Tribunal Militar (STM) entendeu que o caso estava coberto pela Lei da Anistia.
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Outro episódio que o assessor especial da Defesa da Democracia associa a essa discussão de hoje também vem daquele período ditatorial. Foi quando um grupo de oficiais da Aeronáutica traçou um plano para assassinar líderes da oposição e explodir bombas em diversos locais, entre os quais, no Gasômetro, no Rio.
Um brigadeiro, João Paulo Burnier, estaria à frente dessa ação, que só não se concretizou porque um grupo de capitães se mobilizou contra. Destaque nessa resistência ao capitão Sérgio Miranda de Carvalho, conhecido por Sérgio Macaco, que denunciou a ação terrorista dos militares. O capitão, depois cassado pelo AI-5, é entendido por alguns historiadores como um herói. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como avalia essa discussão sobre se cabe punição ou não à mobilização de Jair Bolsonaro com seu grupo, apontado como ação que visava um golpe?
É esdrúxula essa discussão de que, se o golpe não se consumou, não é crime. O caso do Burnier (brigadeiro João Paulo Burnier, que idealizou um plano de eliminar esquerdistas e explodir o Gasômetro, no Rio): não fosse Sérgio Macaco (capitão Sergio Carvalho, que denunciou a ação terrorista de direita de Burnier), o Gasômetro teria explodido. E, ainda assim, foi prejudicado. Era um herói. Ou seja, essa discussão, de punição ou não para tentativas de golpe, vem de antes. É histórica.
O senhor citou que, por esse mesmo raciocínio, a bomba no Riocentro não seria crime, já que não atingiu seu objetivo.
Sim. Por essa lógica, o atentado do Riocentro não teria sido crime, já que o objetivo dos agentes do Doi-Codi não se consumou. O sobrevivente da bomba chegou a ser promovido depois. É um precedente antigo no Brasil. Esse vínculo existe. O carrasco vira vítima. São de episódios assim que vem essa tradição de impunidade.
Como transportar para o dia de hoje o que o país passou em 2022?
Vivemos um momento inédito agora. Temos 16 oficiais da ativa acusados numa tentativa de um golpe de Estado, como apontou a investigação da Polícia Federal. É inédito, repito. Posso estar enganado, mas os militares vão, de novo, reivindicar que, para pacificar o país, melhor que os generais e os outros oficiais não sejam punidos. Não existe isso na Constituição, de não serem punidos diante de tudo que fizeram. Eles se acham acima da lei e da ordem. Têm justiça própria. E quem testemunhou e não tomou atitude também tem responsabilidade.
Como comparar 1964 e agora?
Tivemos quase a volta da ditadura. Estamos revivendo a História. O filme todo volta. Com tudo o que ocorreu a partir de 1964, não tivemos oficiais punidos. Olha o que já aconteceu agora. Esses oficiais, vários generais, sendo alvo de busca e apreensão, outros estão presos. É, de fato, inédito.
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