Preso durante três anos pela ditadura militar, torturado e perseguido pelo regime de 1964, o ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda classifica como "esdrúxula" a discussão sobre Jair Bolsonaro e seu grupo de auxiliares civis e fardados poderem ou não ser julgados como protagonistas da tentativa de um novo golpe de Estado.
Para Nilmário, que atualmente é assessor especial da Defesa da Democracia, Memória e Verdade, vinculado à pasta dos Direitos Humanos e Cidadania, esse debate não é novo e remete a episódios recentes da história, como o caso da explosão da bomba no estacionamento do Riocentro, no Rio de Janeiro, na noite de 30 de abril de 1981, prestes a completar 24 anos. O país vivia a ditadura e dava início a fase da abertura política.
Naquele dia, ocorria um show de artistas em celebração ao 1º de Maio, Dia do Trabalhador, quando dois agentes do Doi-Codi, órgão criado para combater opositores da esquerda, planejavam explodir um artefato no local, onde artistas renomados se apresentavam.
A bomba, porém, explodiu no interior do carro em que estavam os dois militares, um modelo Puma, e matou o sargento Guilherme do Rosário e feriu o capitão Wilson Machado, ambos do Exército. Machado, anos mais tarde, foi promovido a coronel.
A Justiça Federal no Rio chegou a aceitar a denúncia contra os seis acusados pelo Ministério Público Federal pelo atentado a bomba no Riocentro, em 2014. O Superior Tribunal Militar (STM) entendeu que o caso estava coberto pela Lei da Anistia.
A comparação que Nilmário Miranda faz não é sobre proceder parecido naquela época com os dias de hoje, ainda que três apoiadores de Jair Bolsonaro tenham tentado explodir um caminhão com tanque de combustível no aeroporto, na véspera do Natal de 2022, com Luiz Inácio Lula da Silva já eleito pela terceira vez presidente da República.
O assessor do ministério diz que essa discussão — se o ex-presidente e seu grupo arquitetaram uma maneira de desacreditar as urnas eletrônicas e elaboraram uma minuta que impediria a posse de Lula — é compatível com o episódio no Riocentro.
"É esdrúxula essa discussão de que, se o atentado não se consumou, não é crime, então. Por essa lógica, o atentado do Riocentro não teria sido crime. Se é punível ou não. O sobrevivente da bomba chegou a ser promovido depois. É um precedente antigo no Brasil", disse Nilmário Miranda, em entrevista ao Correio.
Outro episódio que o assessor especial da Defesa da Democracia associa a essa discussão de hoje também vem daquele período ditatorial. Foi quando um grupo de oficiais da Aeronáutica traçou um plano para assassinar líderes da oposição e explodir bombas em diversos locais, entre os quais uma no Gasômetro, no Rio. Um brigadeiro, João Paulo Burnier, estaria à frente dessa ação, que só não se concretizou porque um grupo de capitães se mobilizou contra e destaque nessa resistência ao capitão Sérgio Miranda de Carvalho, conhecido por Sérgio Macaco, que denunciou a ação terrorista dos militares. O capitão, que depois foi cassado pelo AI-5, é entendido por alguns historiadores como um "herói".
"É o mesmo caso no qual a vítima e o carrasco mudam de lado. Temos essa tradição de impunidade. E, agora, num momento inédito, temos 16 oficiais da ativa acusados numa tentativa de um golpe de Estado, como apontou a investigação da Polícia Federal. É inédito. Posso estar enganado, mas os militares vão, de novo, reivindicar que, para pacificar o país, melhor que os generais e os outros oficiais não sejam punidos. Estamos revivendo a história", disse.
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