As operações deflagradas pela Polícia Federal (PF) nas últimas semanas que miraram em personagens centrais da extrema-direita do país, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto, o deputado e pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), levantaram debate sobre o futuro político do bolsonarismo no país.
Com as operações Vigilância Aproximada — que investiga a existência de uma Agência Brasileira de Inteligência (Abin) paralela, criada para espionar autoridades ilegalmente — e Hora da Verdade — que apura a participação de ex-ministros, ex-assessores e do ex-presidente na tentativa de golpe de Estado —, evidências de ligação de algumas das mais influentes figuras da direita no país com manobras criminosas foram reveladas e, como argumento de defesa, Bolsonaro e seus aliados passaram a adotar o discurso de estarem sofrendo uma "perseguição implacável" por parte do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que assinou as decisões que autorizaram os mandados de busca e apreensão.
Apesar das provas colhidas pela PF e da delação premiada do braço-direito de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, em que ele detalhou o plano envolvendo militares da ativa para uma tomada do poder após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais de 2022, a força dos bolsonaristas nas redes sociais têm conseguido contornar os reflexos negativos das operações. "As operações dos últimos dias, de fato, abalam o núcleo duro do ex-presidente Jair Bolsonaro, porém não devem abalar seu capital político. Talvez isso acabe gerando o sentimento de 'vítima', que ele está sendo perseguido pelo Poder Judiciário, assim como Lula e o PT adotaram esse discurso no passado", avalia Horácio Lessa Ramalho, cientista político com MBA em relações governamentais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, as operações pouco prejudicam a imagem política dos envolvidos, mas podem atrapalhar as negociações sobre os candidatos que serão apoiados pelo PL para as eleições municipais. Isso porque, de acordo com a decisão do ministro Moraes, Bolsonaro está proibido de manter contato com outros investigados, incluindo o presidente do partido. "Ainda temos as eleições de outubro para prefeitos e vereadores, o presidente do partido do ex-presidente Bolsonaro, Valdemar Costa Neto, foi alvo e acabou sendo preso por outro motivo, posse ilegal de arma, em casa, mas ele é o grande CEO do partido e ser alvo pode atrapalhar a condução da sigla em um momento tão importante como o das eleições", destacou Ramalho.
Capital político
O Instituto Atlas divulgou, na última sexta-feira (9), uma pesquisa de opinião pública relacionada à operação Hora da Verdade. Após a Polícia Federal cumprir 33 mandados de busca e apreensão e prender aliados de Bolsonaro, incluindo Valdemar, a instituição ouviu mais de 1.600 pessoas para avaliar o impacto político da ação policial.
Mesmo com todas as provas reveladas depois que Moraes quebrou o sigilo de vídeos e outros detalhes envolvendo as investigações contra Bolsonaro e seu clã, a popularidade do ex-presidente continua em alta. De acordo com o Atlas, um terço dos brasileiros teria apoiado o estado de sítio — que seria decretado pelo ex-chefe do Executivo após o resultados das eleições presidenciais — para tirar poderes do STF e convocar novas eleições.
Por outro lado, apesar de apoiar, 47% da população considera que Bolsonaro planejou um golpe de estado, contra 37% que considera que as discussões para desacreditar as eleições presidenciais não constituíram o planejamento de um golpe. 46% dos respondentes apoiam as investigações contra o ex-presidente e 42% defendem sua prisão.
Em relação à base bolsonarista mais fiel, existe uma rejeição ao STF e, outras instituições democráticas, o que contribui para a manutenção da imagem positiva de Bolsonaro e seus aliados. "Entre aqueles apoiadores que se vincularam efetivamente ao processo da construção do golpe não concretizado ou mesmo de figuras que ladeiam o próprio bolsonarismo, ainda existe uma presunção de inocência, mais do que isso, uma adoração e fidelização em torno de Bolsonaro", ressaltou Odilon Caldeira Neto, coordenador do Observatório da Extrema-Direita.
"Bolsonaro ainda tem um capital político consolidado, apesar de todos os pesares. Isso porque existe uma parcela da sociedade, do eleitorado, que tem um rechaço efetivo às estruturas democráticas, ao Alexandre de Moraes, ao Tribunal Superior Eleitoral, ao STF, à base governista do Lula e a tudo aquilo que eles imaginam ou definem como a esquerda", analisou Caldeira.
Não por acaso, Bolsonaro continua sendo, segundo o Atlas, a figura da direita com a maior avaliação positiva. O ex-presidente tem 43% de aprovação. Nos últimos meses a avaliação de Bolsonaro oscilou, mas está no mesmo patamar que estava em julho de 2023. "Existe uma parte da sociedade que não aceita a forma como o STF está atuando nos últimos anos. Na história republicana deste país, nenhum juiz pode investigar, mandar prender, julgar, condenar e ser vítima. Então, mesmo um brasileiro que não tem muita instrução, não aceita isso, o que acaba fortalecendo o discurso do Bolsonaro", comentou o cientista político Antônio Testa.
Essa rejeição de uma parcela da sociedade em relação ao STF foi construída ao longo dos últimos seis anos. Desde que emergiu politicamente, antes de vencer as eleições em 2018, Bolsonaro já nutria um discurso contrário à Suprema Corte e, junto aos seus apoiadores, atacava os ministros da Corte. Essa narrativa se fortaleceu entre a base eleitoral do ex-presidente enquanto ele esteve no poder e criou um atrito com os magistrados, mas, em especial, com Alexandre de Moraes. A operação deflagrada na última quinta-feira (8) contra o ex-mandatário é a que conta com maior volume de provas até agora, envolvendo essas figuras da extrema-direita. Entretanto, quanto mais Bolsonaro é enfrentado pelo STF e, em especial, por Moraes, mais à tese que a base da oposição quer espalhar entre os eleitores.
Isolamento
Uma consequência que pode afetar os poderes de Bolsonaro são os reflexos que essas operações policiais têm entre os políticos. Apesar de permanecer popular, de conseguir usar as redes sociais para contornar a situação e, assim, ter pouco impacto entre o eleitorado, o ex-presidente e demais investigados podem acabar isolados.
"Se Bolsonaro for efetivamente preso, se algumas lideranças do bolsonarismo ou do governo Bolsonaro forem efetivamente presas, não é de se espantar que algumas figuras como Tarcísio de Freitas (governador de São Paulo), como Romeu Zema (governador de Minas Gerais), entre outros, tenham alguma espécie de afastamento. Eu diria que essas figuras já estão se posicionando, inclusive, pudemos notar a presença deles em eventos com o presidente Lula", ressaltou Caldeira.
Na semana passada, Zema esteve em um evento com o presidente Lula e demonstrou uma aproximação com o governo ao dizer que "aprendeu a trabalhar com quem pensa diferente". O governador mineiro ainda disse que ficou "muito feliz" com a visita do petista ao estado e que os dois têm "muito o que conversar".
Lula também se encontrou, na semana passada, com Tarcísio. Ambos trocaram afagos e o presidente garantiu que o governador paulista "terá da Presidência da República tudo aquilo que for necessário". O petista também buscou um clima amistoso com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Essas manobras de aproximação do chefe do Executivo são uma forma de diminuir o capital político de Bolsonaro, tendo em vista as eleições municipais.
"Uma coisa é a base bolsonarista mais radical rechaçar a política democrática, outra coisa são as frações das direitas brasileiras, que veem que o caminho para prisão de Bolsonaro está em alguma medida muito bem pavimentado", ponderou o coordenador do Observatório da Extrema-Direita.
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