Um vídeo apreendido na casa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da República, mostra que o ex-presidente Jair Bolsonaro e integrantes do governo tramaram para inviabilizar as eleições de 2022, com temor de serem derrotados pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva.
As imagens revelam uma reunião, em 5 de julho de 2022, na qual Bolsonaro aparece nervoso, proferindo palavras de baixo calão e fazendo acusações gravíssimas a ministros do STF e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O sigilo do vídeo foi levantando, nesta sexta-feira, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
No encontro, o ex-chefe do Planalto admite a possibilidade de perder o pleito e fala em "plano B", caso isso acontecesse.
"Se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira. Alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições?", disparou Bolsonaro. "Só pra gente prestar atenção. (...) A fotografia que pintar no dia 2 de outubro acabou, p*! Quer mais claro do que isso? Nós estamos fazendo a coisa certa, mas o plano B tem que botar em prática agora."
O então presidente reagia a uma declaração do ministro Edson Fachin, à época presidente do TSE. O magistrado dizia que as auditorias em curso sobre o sistema eleitoral não eram instrumentos para rejeitar o resultado das urnas eletrônicas.
Depois, o ex-chefe do Executivo voltou a falar das eleições por diversas vezes. Em um dos trechos, frisou aos ministros que eles não poderiam deixar "acontecer o que está pintado".
"Nós não podemos, pessoal, deixar chegar as eleições e acontecer o que está pintado, está pintado. Eu parei de falar em voto imp.. (ele não termina de dizer impresso) e eleições há umas três semanas. Vocês estão vendo agora que... eu acho que chegaram à conclusão. A gente vai ter que fazer alguma coisa antes."
Em seguida, cobrou ações de seus ministros: "Vamos esperar o quê? Alguém tem dúvida do que vai acontecer no dia 2 de outubro? Qual resultado que vai estar às 22h na televisão? Alguém tem dúvida disso? Aí a gente vai ter que entrar com um recurso no Supremo Tribunal Federal... Vai pra p* que o pariu, p*. Ninguém quer virar a mesa, ninguém quer dar o golpe... Ninguém quer botar a tropa na rua, fechar isso, fechar aquilo... Nós estamos vendo o que está acontecendo. Vamos esperar o quê?".
Entre os participantes da reunião estavam os então ministros da Justiça, Anderson Torres; do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; e da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; além do ex-ministro da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro à reeleição, Braga Netto. Todos eles foram alvo da Operação Tempus Veritatis (Hora da verdade, em latim), deflagrada na quinta-feira pela Polícia Federal.
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De acordo com a investigação, foi montada uma organização criminosa, com seis núcleos (desinformação, incitação aos militares, jurídico, operacional, inteligência paralela e núcleo de oficiais de alta patente) para atuar em uma tentativa de golpe de Estado e manter Bolsonaro no poder. Também teria sido elaborada uma minuta golpista que previa a prisão de Moraes.
Segundo fontes, a câmera que filmou a reunião estava atrás de um vidro com película, e a probabilidade é de que os ministros não sabiam que estavam sendo gravados.
Os investigadores da PF também apuram se Mauro Cid gravou a reunião por conta própria ou se o fez com o consentimento de Bolsonaro. Ainda há a hipótese de que tenha sido registrada como "documentação histórica" para os golpistas.
Forças Armadas
No encontro, o ex-presidente afirmou que a Justiça Eleitoral errou ao convidar as Forças Armadas para integrar a Comissão de Transparência das Eleições, pois a decisão, segundo ele, o beneficiava.
"O TSE cometeu um erro quando convidou as Forças Armadas para participar da Comissão de Transparência Eleitoral. Cometeu um erro. Eles erraram. Para nós, foi excelente. Eles se esqueceram que sou o chefe supremo das Forças Armadas?", ironizou.
Em 2021, as Forças Armadas e outras entidades foram incluídas pelo TSE na Comissão de Transparência. O grupo foi criado com o objetivo de ampliar a lisura e a segurança de todas as etapas de preparação e realização do pleito.
Na mesma reunião, o então ministro da Defesa e general da reserva do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, admitiu que a finalidade da participação dos militares na comissão era garantir a reeleição de Bolsonaro.
Sem provas
Bolsonaro também sustentou, sem provas, que Moraes estaria "levando US$ 50 milhões" para fraudar o resultado das eleições de 2022 e favorecer o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Ele também acusou Fachin e o também ministro do Supremo Luís Roberto Barroso de receberem indevidamente US$ 30 milhões.
"Pessoal, perder uma eleição não tem problema nenhum. Nós não podemos é perder a democracia numa eleição fraudada. Olha o Fachin. Os caras não têm limite. Eu não vou falar que o Fachin tá levando 30 milhões de dólares. Não vou falar isso aí", afirmou. "O ... que o Barroso tá levando 30 milhões de dólares. Não vou falar isso aí. Que o Alexandre de Moraes tá levando 50 milhões de dólares. Não vou falar isso aí. Não vou levar pra esse lado. Não tenho prova, pô! Mas algo esquisito está acontecendo."
Em um dos trechos, o ex-chefe do Executivo admite não ter provas do recebimento desse pagamento por parte dos ministros do STF, mas que "não resta dúvidas" de que ele teria sido feito. "Será que é grana que tem nisso? Eu chutei um número aleatório (…) Eu já fui convidado para locais cabulosos aqui em Brasília", declarou.
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