Entrevista | ESTHER DWECK

Esther Dweck: 'A reforma administrativa que está no Congresso é punitiva'

Ministra da Gestão e da Inovação em Serviços públicos fala sobre concursos, reajuste, reestruturação de carreiras e relação com os sindicatos

Depois de 24 horas da abertura das inscrições para o Concurso Público Nacional Unificado (CPNU), 217 mil pessoas se candidataram para concorrer a uma vaga para o chamado Enem dos Concursos. A corrida para conquistar um posto conta com uma torcida de peso: o próprio servidor público.

"Os servidores estão exaustos e sobrecarregados", revela a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, em entrevista exclusiva ao Correio, ao fazer um balanço do primeiro ano à frente da pasta.

O Concurso Unificado é uma das etapas do processo de reforma administrativa que a ministra afirma que já está em curso desde a criação do ministério pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e será um processo permanente. A pasta está preparando um pacote de medidas para substituir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, que trata da reforma administrativa do governo anterior. A ideia é apresentar um pacote com três eixos, no início de fevereiro, após o fim do recesso parlamentar. Para ela, a PEC que está no Congresso é ruim e para fazer uma verdadeira transformação do Estado brasileiro, pois é punitiva. "Não é preciso uma reforma constitucional", ressalta. Segundo ela, uma das propostas mais urgentes dessa pauta é a retomada do projeto de lei dos supersalários.

A ministra lembra que, desde 2016, o Estado perdeu 70 mil profissionais. Para ela, o que aparentemente poderia ser uma economia de recursos pode ser um prejuízo para a população. "O Estado é para servir à população, ele tem que ser eficaz e eficiente, tem que ser ágil, não tem que ser grande, mas deve ter o tamanho necessário", diz.

Parte da transformação defendida pela ministra é a recomposição salarial e de benefícios. Em 2024, a proposta é ter aumento real para a maioria dos servidores, com renda mensal de até R$ 10 mil. Além disso, ela aponta que os 9% de reajuste concedidos em maio de 2023 ainda têm impacto neste ano e, até o fim do mandato, a correção chegará a 18%, superior à inflação estimada para o período, de 16,5%. Na proposta, haveria espaço orçamentário para conceder outro reajuste salarial em 2025 e em 2026, de mais 4,5% em cada ano. "Mais do que a gente está propondo é muito difícil", afirma.

De acordo com a ministra, o processo de reestruturação das carreiras do governo teve início com a Funai, mas vai contemplar outros órgãos como Ibama, Banco Central, Educação, Saúde, entre outras. Cada órgão terá o próprio projeto que poderá constar na proposta alternativa da reforma que ela pretende discutir com o Congresso.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O que o servidor público pode esperar neste ano? Sabemos que existem muitas dificuldades orçamentárias…

Bom, eu acho que tem várias boas notícias. Primeiro, desde que o presidente Lula voltou e criou o ministério voltado para a gestão pública, mudou completamente a relação com os servidores do que vinha nos últimos anos. E, já no primeiro ano, conseguimos fazer duas coisas que todo mundo estava reclamando por recomposição salarial das perdas anteriores e também voltar a ter concurso público. Uma das coisas que ajudam muito o servidor é a chegada de novos para dividir o trabalho que está muito pesado. Acho que, ter essa retomada de diálogo, ter espaço de negociação, ter tido 9% de reajuste no ano passado e ter a previsão de chegada de novos colegas são coisas que devem animar todos os servidores, porque, realmente, vamos recompor um pouco a capacidade laboral. E, no ano passado, a mesa nacional de negociação teve questões remuneratórias e não remuneratórias. Conseguimos atender sete dos nove pontos e dois estão em discussão.

Por exemplo?

Várias coisas. No governo anterior, havia um ataque aos servidores públicos e diversas práticas antissindicais, até teve um ruído com uma Instrução Normativa nossa, que tinha a ver com greve de servidores, em que, na verdade, atendemos um pedido dos servidores da mesa, que havia uma marcação no assentamento funcional de que as pessoas participavam de greve. Não faz sentido nenhum. Esse é um dos itens da proposta que fizemos na última reunião da mesa nacional, em dezembro. É sempre bom lembrar que temos um novo arcabouço com um limite de gastos, com o crescimento real, mas continua tendo limite de gastos. E o reajuste de 9% dado no ano passado começou a valer a partir de maio, o que significa que não impactou o ano cheio em 2023 e vai ter um impacto cheio em 2024, de R$ 4 bilhões a R$ 4,5 bilhões. E, portanto, o Orçamento de 2024 já tinha esse aumento na folha de pagamento, e ficamos com pouco espaço para um grande reajuste.

Aí ficou R$ 1,5 bilhão?

É, tinha esse R$ 1,5 bilhão e conseguimos, no fechamento da lei orçamentária, ampliar esse valor para quase R$ 2,5 bilhões. E, então, fizemos a proposta para os servidores da seguinte forma para 2024: além do impacto dos 9% em 2024, concentramos todo o volume de recursos para o aumento nos valores de três benefícios. O primeiro, o auxílio-alimentação estava muito defasado em relação aos outros Poderes. No ano passado, demos um aumento de R$ 200, além dos 9%, e agora, estamos propondo reajuste dos atuais R$ 658 para R$ 1 mil. Já o auxílio-creche, para quem tem filho pequeno, recompor a inflação desde 2016, que é um aumento de pouco mais de 50%. E, no auxílio saúde, a mesma coisa. Isso, líquido, dá um aumento para todos os servidores ativos de mais de R$ 400-R$ 450. Isso significa que para 50% dos servidores que têm os salários mais baixos, esses R$ 400 líquidos serão um valor acima da inflação de 2024. Isso acaba beneficiando quem ganha menos.

Qual seria o universo do salário médio?

A inflação deste ano será perto de 4% e, quem ganha até R$ 10 mil, vai ter um aumento acima da inflação. Então, essa conta é muito importante. Pensamos em dar, em vez do benefício, um valor em torno de R$ 400 no salário. Só que, no salário, ele não é líquido porque incide o Imposto de Renda. Logo, era muito melhor concentrar em um valor líquido. Essa foi a nossa lógica. E, para 2025 e 2026, quando vamos ter mais espaço orçamentário que já foi discutido com o Ministério da Fazenda, com o Planejamento e com a Casa Civil, garantimos os mesmos 18% que os servidores dos demais Poderes tiveram em dezembro de 2022. Vamos garantir 4,5%, em 2025, e mais 4,5% em 2026. Com isso, garantimos os 18% que estão acima da inflação prevista para o período de 2023 a 2026, que é de 16,5%. Então, com isso, podemos garantir várias coisas. Primeiro, uma certa equidade com os demais Poderes. Todo mundo terá os 18% (de reajuste). Nós garantimos também que, durante o mandato do presidente Lula, ninguém terá perda real (de salário). Claro que não estamos conseguindo repor a perda dos mandatos do (Michel) Temer e do (Jair) Bolsonaro. Na última negociação do governo Dilma (Rousseff), para algumas categorias houve reajuste até 2019 e, para outras, até 2017. Infelizmente, não temos condições orçamentárias de repor toda a perda dos períodos anteriores. Estamos também discutindo a reestruutração das carreiras e com uma diretriz para seguirmos que é de alongamento e de aumentar a diferença entre o início e o fim.

Os sindicatos fizeram uma contraproposta a essa proposta dos benefícios neste ano. Vocês estão analisando?

Estamos aguardando a proposta completa deles para fazer a nossa contraproposta, mas lembrando que o nosso espaço orçamentário não é tão grande assim.

Para este ano vai ser difícil qualquer outro reajuste então?

Mais do que a gente está propondo, é muito difícil.

E quais são as carreiras que devem sofrer esse processo de reestruturação?

Já tivemos várias. As pessoas marcaram muito a área de segurança, que foram as polícias, no finalzinho do ano passado, mas a primeira foi a Funai. O pessoal da Funai trabalhava junto com o do Ibama e ganhava quase a metade. Então, na verdade, aproximamos os servidores da Funai das carreiras ambientais, que era o correto. Depois, duas categorias que foram criadas no governo Dilma e que estavam muito defasadas, tanto frente ao mercado quanto frente às demais carreiras do setor público, que eram a de Analista de Tecnologia da Informação e Analista de Política Social (ATPS). Analista de TI era uma das carreiras com menor remuneração e, hoje em dia, é uma das maiores remunerações do setor privado. Era uma carreira que tinha 700 pessoas e perdeu metade para o setor privado, porque está supervalorizada. Não fica ninguém. Essa é uma carreira administrada aqui pelo ministério. Temos a gestão da carreira, pela Secretaria de Governo Digital, mas os servidores trabalham na Esplanada inteira, nas áreas de TI. Então, essa foi uma área que tivemos uma negociação importante. E a de analista de política social.

E quanto às vagas?

Das três áreas, infraestrutura, TI e política social, é a de política social que tem mais vagas, são 500. Em relação às carreiras de analista de infraestrutura, as ambientais e as de gestor, essa é uma carreira remuneratória baixa, mas estava muito defasada. Então, recompomos a Agência Nacional de Mineração (ANM), que era o Departamento Nacional de Política Mineral (DNPM), e a carreira nunca foi reestruturada. O que fizemos foi equiparar às demais agências. Essa leva, na verdade, foi bem emergencial que eram nessas quatro carreiras. E fomos abrindo as demais na sequência. Há 21 mesas abertas. E, como foi aprovada uma emenda constitucional que transformou agente penitenciário em polícia penal, mas que nunca foi regulamentada, na semana passada, fizemos a regulamentação e publicamos uma tabela nova. Essa carreira vai ser agora uma carreira da polícia penal e de nível superior.

Alguns estão reclamando, na Educação, inclusive. Eles querem a reestruturação da carreira.

A área da Educação é uma que está com uma mesa aberta também. Marcamos a devolutiva de várias carreiras. A primeira, é a do Ibama, que vai ser no início de fevereiro. Depois, tem a do Banco Central. Tem o pessoal do Mapa (Ministério da Agricultura), da Educação, as agências e o pessoal da previdência e saúde. Os servidores reclamam da demora, mas, na equipe do secretário de Gestão de Pessoas, Zé Celso (Cardoso Jr.), tem um departamento de Carreiras, com 10 pessoas, das quais cinco vão fazer o concurso e pediram licença para estudar. Então, temos carência de pessoal aqui no ministério.

Mas por ser um ministério novo teve carência de pessoal?

O ministério é novo, mas secretarias não são. Assim, eu não posso nem reclamar, assim, é diferente de um ministério. Fomos uma cisão do Ministério da Economia, a gente trouxe a secretaria. O Ministério da Gestão é novo, mas, comparado aos aos ministérios de Igualdade Racial, ao das Mulheres, até ao de Portos e Aeroportos, que começaram realmente quase do zero, aqui, não posso reclamar. Mas, mesmo com bastante gente, não é suficiente, porque também temos carência de pessoal. E essa é uma área que não tinha nenhuma preocupação por parte do governo anterior para negociar com os servidores. E não é fácil formar alguém e ter pessoas com expertise para os cargos. Não conseguimos dar velocidade, porque não tem gente suficiente para acelerar esse processo de poder ver todas as carreiras ao mesmo tempo. E cada carreira tem uma especificidade, uma lógica. Estamos organizando as carreiras para termos uma estrutura justa.

Como assim estrutura justa?

Tentando reduzir as iniquidades que existem. Não é que todo mundo vai ganhar igual. Mas é você ter uma certa relação entre as carreiras que todo mundo acha que está correta, que tem a ver com o seu perfil de risco, de exposição, de conhecimento técnico. Nessas nossas diretrizes, a gente está tentando organizar as carreiras. É esse o caso da Funai com o Ibama. Funai tinha que ser uma carreira muito próxima das carreiras ambientais. Então, ela vai andar junto. Se o Ibama tiver ganho, a Funai vai ter junto. Isso foi na negociação. A Funai teve a reestruturação, mas ela não parou ali.

É ir aproximando as carreiras?

Exato. Estamos utilizando essa lógica. Os analistas de Política Social, de TI e de Infraestrutura, agora, estão muito próximos. Não são idênticas, mas estão próximas, porque cada um, na sua especificidade, tem a mesma lógica de onde eles vão atuar, mas todos têm que ter o mesmo grau de maturidade. Então, essa é a lógica. Na polícia penal foi isso. Dentro da Polícia Federal, tem a diferença entre delegados e agentes. É um trabalho que requer olhar com calma. E, além disso, tem esse processo de alongar as carreiras. No caso do ATPS, a carreira tinha 13 níveis e ampliamos para 20 níveis. Então, não só esticou a carreira e basicamente a entrada não foi alterada. Então, essa é a lógica que está se tentando estabelecer.

E isso faz parte da proposta de vocês sobre a reforma administrativa?

Sim. Não chamamos de reforma administrativa, mas de transformação do Estado. Não à toa, temos a Secretaria Extraordinária de Transformação do Estado, comandada por Francisco Gaetani. Na verdade, a nossa reforma administrativa começou quando o presidente Lula decidiu criar o Ministério da Gestão. E, na transição, criamos essa secretaria extraordinária. No meio do ano, fiz uma divisão da Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho. O governo Bolsonaro tinha criado a Secretaria de Gestão de Pessoas, e a relação de trabalho nem aparecia no nome e tinha lá duas pessoas que cuidavam da negociação com servidores. Mas, depois de um período longo de falta de diálogo, a secretaria ficou sobrecarregada, não dava tempo de ter alguém pensando em estruturar as carreiras. Então, separei essas duas áreas no sentido de ter uma secretaria que está pensando mais a lógica estratégica, de como vamos pensar as carreiras, e uma secretaria para fazer a negociação. Os dois secretários andam juntos e também tocaram essa ideia do Concurso Unificado.

Essa ideia de transformação do Estado, como a senhora enxerga? Qual o principal desafio para se chegar a isso?

A reforma administrativa que está no Congresso é muito focada em pessoal e numa lógica punitiva. Foi uma proposta que chegou lá sem diálogo, nem com servidores, nem com a sociedade e nem com o Parlamento. O diálogo foi posterior à entrega do projeto. E a nossa transformação do Estado tem três grandes eixos e três grandes princípios, eu diria. Tem um eixo pessoal, um eixo de digital e um eixo de organizações, que talvez seja a área menos clara, porque cuida das áreas de administração de vários ministérios. Aqui ficou a secretaria de gestão corporativa, que, ao longo do ano, mudou para secretaria de serviços compartilhados. Ela cuidava da estrutura administrativa de cinco pastas, quatro que eram da Economia: Fazenda, Planejamento, Gestão e Mdic (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e, também, a dos Povos Indígenas, que não saiu de nenhum ministério, pois não existia essa área no governo, exceto a Funai. No fim do ano passado, o presidente lançou um decreto que formalizou isso. Então, a Secretaria de Serviços Compartilhados, hoje, presta serviço a 13 ministérios. Vamos fazer processos licitatórios mais amplos. Essa é uma reforma de organização superimportante. Então, a nossa reforma administrativa já começou desde o ano passado. É uma reforma permanente. Na própria área de transformação digital, estamos avançando nos serviços digitais, fortalecendo as áreas digitais do governo. Um exemplo claro é tanto o Cadastro Único quanto o SUS. Na Previdência, estamos fazendo um trabalho enorme nessa discussão da redução de filas, que está muito associado à área digital e temos avançado bastante. Ao mesmo tempo, abrimos canais de diálogo sobre a reforma e o mais emblemático talvez seja a Câmara Técnica do Conselhão. No ano passado, lançamos a Câmara Técnica de Transformação do Estado no Conselho.

A reforma administrativa está muito estigmatizada?

A PEC 32, que se encontra no Congresso, está muito associada à redução do Estado. E o que precisamos, na verdade, não é uma mudança na Constituição. Claro que nós vamos debater isso no Congresso este ano, mas, na nossa visão, não é preciso uma reforma constitucional. Muita coisa podemos fazer por atos, instruções normativas, decretos e projetos de lei. Não precisaria de uma mudança constitucional. Aquela reforma estava muito focada em três coisas. Primeiro, a ampliação da contratação temporária sem regramento. Mas é possível, por meio de um projeto de lei, melhorar a discussão dos temporários. Não é preciso PEC. Segundo, o fim da estabilidade, que é o ponto mais forte ali. E, terceiro, a questão da redução de carga horária de trabalho com redução salário, com impacto muito forte em estados e municípios e nem tanto no governo federal. Eu sou muito contrária a isso. Alguns governadores até querem, mas é mais por uma questão fiscal e não porque tem gente sobrando. A nossa lógica é tentar equacionar o problema fiscal dos estados e não oferecer como solução a precarização do serviço. A lógica que está ali (na PEC) é muito contrária ao que nós imaginamos, e coisas que estão ali, que são boas, não precisam de PEC. O que achamos interessantes na PEC, estamos trabalhando.

Por exemplo?

Um exemplo foi a mudança no programa de gestão de desempenho, que lançamos no ano passado, por meio de uma instrução normativa. E essa é uma medida forte, mas não tem como objetivo botar um servidor contra o outro. A nossa lógica do programa é que cada unidade defina quais são suas entregas, que têm que ser pactuadas com o limite em cada área e ministério. E vamos ter um sistema com capacidade de avaliar e comparar as entregas. E vamos ampliar o programa de gestão de desempenho. Mas não é preciso uma mudança constitucional para fazer uma avaliação de desempenho. Ela está prevista em lei.

E já tem algum resultado desse programa?

O programa teve um ano de adaptação. Estamos trabalhando no sistema para captar os dados e poder fazer relatórios analíticos. Enquanto isso, as áreas têm até junho para estarem adaptadas ao novo sistema. Acredito que, mais para o fim do ano, vamos poder fazer uma avaliação de desempenho dos servidores. E esse será um instrumento importantíssimo. Estamos trabalhando na capacidade de avaliação para darmos consequência para a avaliação. E o concurso unificado é uma super etapa da nossa reforma administrativa.

Por quê?

Esse concurso está focado nos princípios que eu falei, de um Estado mais democrático, mais diverso, com mais equidade, para evitar essa briga de remuneração entre os servidores. Não sei se vamos conseguir resolver isso no mandato atual do presidente Lula, ou enquanto estivermos aqui. Mas vamos trabalhar para dar uma equacionada nesse problema das carreiras em um horizonte de médio prazo. Além da democratização e da equidade, outro princípio é a qualidade do gasto. E um exemplo disso é o Colabora.gov, que está ligado à Secretaria de Serviços Compartilhados, que é uma ferramenta que vai ampliar muito a qualidade do gasto, porque vai reduzir custos.

Tem alguma estimativa de quando será essa redução?

Só em estrutura, ao longo de quatro anos, daria em torno de R$ 1 bilhão para não ter que replicar as estruturas de todos os ministérios. O que ainda não temos estimativa é o ganho da contratação centralizada. Estamos começando a fazer (os cálculos). E esse é um projeto bem bacana que estamos fazendo. Vamos ter um sistema de avaliação da qualidade dos serviços prestados aos ministérios. E vamos ter também a possibilidade de a população avaliar a qualidade do serviço público em geral. Na área de governo digital já temos isso. Temos um ranking dos melhores serviços digitais e os que estão tendo reclamação nós tentamos melhorar o serviço. E, além disso, outro princípio é a efetividade do Estado, e aumentar a capacidade dele para o que ele precisa fazer. A nossa reforma não tem o princípio simples de redução de custo e de redução da estabilidade. A redução de custo é em função disso. A estabilidade, como eu já falei desde o primeiro dia, nas primeiras reuniões aqui, é uma proteção do Estado. Ela beneficia o servidor, porque, ao contrário do setor privado, não existe a tensão do risco de demissão. É claro que isso é alento, mas estamos trabalhando para que o servidor não se acomode. Então, é necessário a avaliação de desempenho, para garantir e termos certeza de que cada um está fazendo o que precisa fazer. Eu vejo a estabilidade como um princípio fundamental. É uma lógica que vem desde a Constituição 1988, fruto inclusive do regime anterior, que perseguia servidores. Estamos estudando que, nos Estados Unidos, que é um país com pouquíssima estabilidade dos servidores, eles estão fazendo um trabalho de ampliação da estabilidade.

De que forma?

Estamos em contato com técnicos do governo Joe Biden (presidente dos EUA) sobre a iniciativa que eles lançaram no ano passado. E temos uma análise das reformas administrativas, feita pelo grupo com base em um estudo da OIT (Organização Internacional do Trabalho), feitas na Europa após a crise financeira global de 2008 que não foram bem-sucedidas e algumas foram revertidas devido à piora da qualidade da prestação de serviços e teve aumento de greves e fuga de cérebros. Agora, eles estão na contrarreforma, como na Espanha e em Portugal. Além disso, o processo de reestatização que está acontecendo no mundo também é muito forte.

É uma mudança de debate internacional?

O debate internacional teve uma onda muito forte de redução do tamanho do Estado que veio desde a década de 1980 e chegou ao pico em 2008. E, agora, estamos em uma fase depois das crises de 2008 e da pandemia, mais fortemente. E, na hora em que veio a crise, ainda mais uma crise que mistura a economia com a saúde, e cadê o Estado? O Estado não é algo que você pode ligar e desligar. Se você destruir o seu Estado, não vai ter ele para fazer as coisas que a população precisa. Eu fiz um artigo falando que, na pandemia, o que funcionou bem foi o sistema do Cadastro Único, que foi um grande ganho que tinha do período anterior, do Bolsa Família. Havia uma grande infraestrutura pública digital que mostrou seu valor e conseguiu rapidamente viabilizar (o auxílio emergencial) depois que o Congresso obrigou a fazer. O que não conseguimos fazer, de jeito nenhum, foi a reconversão industrial, ou seja, botar as empresas para produzir rapidamente, porque o país tinha perdido todos os instrumentos de política industrial. A nossa grande cultura pública digital, que é o Cadastro Único, que estava lá de pé, algo que tinha sido construído durante muito tempo e estava pronto para ser utilizado. A outra coisa que tinha destruído não tinha como você fazer. Ninguém sabia como obrigar uma empresa a fazer alguma coisa, como máscara e respiradores. Alguns países conseguiram fazer isso. O Brasil não tinha mecanismos e instrumentos para fazer, mas também não tinha muita vontade política. Por isso, na nossa visão, o Estado é algo para servir a população, ele tem que ser eficaz e eficiente, tem que ser ágil, e tem que ser do tamanho necessário. Não é que o Estado tem que ser grande, mas tem que ter o tamanho necessário, tanto que perdemos mais de 70 mil servidores desde 2016 até o início do ano passado.

E foi por qual motivo?

Teve gente que saiu para o setor privado, mas o forte é aposentadoria. Não tenho o número exato, mas o grosso é aposentadoria. Até hoje, o setor público está muito envelhecido, porque ficamos anos sem concursos. Tem categoria que já está com 50% (do quadro) com abono permanente e já pode se aposentar a qualquer momento. Tínhamos esse deficit (no início do governo Lula) de 70 mil e abrimos vagas, mas sabemos que não é preciso repor esse total, porque houve transformação tecnológica, mas sabemos que, fora a Educação, 9 mil vagas foram abertas, no ano passado, para as demais áreas, e não são suficientes.

E para este ano, quanto foi a demanda dos órgãos?

A demanda para este ano foi de 84 mil de todos os ministérios. Mas, obviamente, não haverá 80 mil vagas nos próximos concursos.

E quantas podemos considerar este ano?

Não existe um número cravado. Ao longo do mandato, para deixar bem claro, é possível dobrar esse número. Ou seja, ter mais 9 mil a 10 mil novas vagas ao longo do mandato. E isso não significa novos certames. Podemos chamar gente desse novo concurso e em áreas que ainda não tiveram concursos e que vamos abrir. O Ibama e o ICMBio, por exemplo, já estavam com concurso aberto, no ano passado, e não pudemos autorizar neste ano. Mas não tenho dúvida que poderá haver. Já autorizamos um provimento adicional para as vagas e, provavelmente, vamos chamar mais no ano que vem. Neste ano, estamos com pouco dinheiro para novos concursos. Fizemos um remanejamento interno, mas, se não for neste ano, no ano que vem, sem dúvida nenhuma, será uma área que será contemplada. Eu diria que vamos dobrar esse número este ano e ainda não será totalmente suficiente, mas dará uma alento muito grande.

E como será o mapeamento da força de trabalho?

Estamos estudando por área a expectativa de aposentadoria para os próximos anos e também fazer um dimensionamento dentro do ministério das necessidades de força de trabalho, em função das mudanças tecnológicas, da transformação digital, do envelhecimento, do quadro, etc. Então essa metodologia vai ser aplicada agora em todos os órgãos que aderiram ao concurso unificado. A lógica da PEC era a redução do Estado e privatizar tudo, tanto que um dos elementos da PEC ali que não é tão óbvio, é uma permissão para prestação privada de serviço público.

E como vai ser então essa proposta para substituir a PEC?

Então (risos). Estamos tentando fazer uma proposta. Temos alguns projetos de lei, inclusive a própria Câmara Técnica concordou conosco. Por exemplo, o PL dos supersalários é que nós achamos que deveria ser discutido.

E que já está lá no Congresso, inclusive, né?

Ele está lá, e não tem muita disposição de se discutir isso, porque a PEC tem uma questão que ela não se aplica, na maior parte das coisas, ao Judiciário e nem aos militares. E a PEC ainda tem um problema, porque faz uma contra reforma, na reforma da Previdência das forças de segurança, porque ela volta vários benefícios que as forças de segurança tinham antes da reforma da Previdência, um pouco aos moldes dos militares, e traz para as polícias em todos os níveis, e não só federal. Que nem a volta do quinquênio do Judiciário.

Os estados já reclamam da falta de recursos...

Sim. Exatamente. A PEC 32 ainda tem essa outra parte que ninguém fala que é o aumento de gastos. Não é corte de gastos. É aumento no caso. Temos muitos questionamentos do projeto que está lá, mas não me furto a debater. Estamos nessa discussão, agora, se vamos apresentar um pacote completo, porque estamos transformando e estudando como a nossa reforma administrativa deve ser feita. E por exemplo, na reestruturação de carreiras, eu não consigo mandar um único projeto de lei, porque cada carreira necessita de um projeto de lei específico. Vamos apresentar, no início de fevereiro, com a volta do Congresso, um debate sobre os três eixos como eu falei: pessoas, transformação digital e organizações. E nesses três eixos, temos projetos de leis necessários para a execução disso e são esses projetos que o governo quer tocar. Se o Congresso estiver disposto também, vamos trabalhar juntos.

É. Tem que dar um serviço para aquele povo lá em ano de eleição…

(Risos) O que estamos discutindo internamente é mostrar os nossos projetos prioritários. Se o Congresso estiver disposto a discutir conosco, vamos discutir esse projeto. Claro, se o Congresso realmente quiser uma PEC e insistir nisso, nós, realmente, não gostaríamos, mas também, poderíamos pensar numa PEC alternativa para a que está lá. Nós não apoiamos a PEC que está lá, de jeito nenhum. Já expliquei para vocês vários exemplos de coisas que ela realmente vai muito contrário à nossa visão sobre o que deveria ser a transformação do Estado brasileiro. Na nossa visão, o que nós achamos que precisa fazer, não precisa de PEC. O projeto dos supersalários, por exemplo,se aplica a todo mundo e é um PL. E é onde vamos regulamentar o teto corretamente.

Então esse é o projeto prioritário, pela ordem? Qual é o impacto?

Do ponto de vista de uma lógica de contenção de gastos, esse é prioritário. Na lógica de estruturação do Estado, tem outros mais prioritários. No fundo, o impacto desse PL dos supersalários é dizer o que entra no teto. E essa será a grande discussão.

Inclusive os militares?

Todo mundo. Mas os militares não são o grande problema nesse caso, todo o Executivo, civil e militar estão sujeitos ao teto do funcionalismo. O grande problema é o Judiciário.

Mas no governo anterior teve militar que ganhou teto duplex…

Nós gostaríamos de discutir isso também. Se acharem que o teto é baixo, vamos discutir o teto. Mas é óbvio que isso tem consequências financeiras.

Mas aí pode alongar…

Exatamente. Assim, as carreiras do Executivo também vão ser distanciadas do teto. No Executivo, as carreiras mais altas não precisam ficar muito perto do teto. Tem gente no Congresso que acha que o teto é baixo para um federal, que não tem salário comparável ao setor privado. Mas, para algumas carreiras, não. No caso de Tecnologia da Informação é emblemático. Mesmo com a nossa reestruturação está abaixo do mercado. Algumas carreiras não têm comparação no mercado então não tem como comparar, mas eu olho pelo tipo de formação da pessoa, onde ela se enquadraria no mercado privado. Às vezes, o governo toma decisões de pagar um pouco acima também porque ele quer selecionar as melhores pessoas, para poder regular o setor privado. Mas a decisão vai caso a caso. Houve aumento recente do teto e igualou. Antes, o Executivo estava abaixo do Legislativo e do Judiciário.

A senhora escreveu um livro: Economia Pós-pandemia — Desmontando os mitos da austeridade fiscal. Pode comentar?

Ali era uma proposta de uma alternativa, que tinha a crítica ao debate da PEC do teto e fazíamos uma proposta alternativa de projetos de desenvolvimento, como reforma tributária, e os grandes desafios da sociedade, como a nova política industrial, que será lançada na segunda-feira. Toda essa discussão da transição ecológica, de voltar até o Estado indutor do desenvolvimento estava lá prevista também. No meu artigo, tinha um debate sobre a PEC do teto, tentamos denunciar que, em 2021, se voltassem com o teto de gasto ia ser o caos e realmente foi o que aconteceu.

Então, tem muita coisa no livro que está sendo colocada em prática?

Muita coisa que está ali, sim, porque muitos autores estão no governo hoje. Naquele ano, aprovaram antes a autonomia do Banco Central e uma mudança ligada ao mercado de câmbio antes de aprovar a PEC que recriou o auxílio emergencial. A inversão de prioridade foi bem chocante.

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