Alexandre Garcia

Alexandre Garcia: Guilhermina no Equador

A legislação leniente traz a mensagem de que o crime compensa. Combatemos o crime com declarações grandiloquentes de políticos, enquanto os criminosos inflam seus domínios

A triste notícia me fez decidir o assunto desta semana: Guilhermina, a Guel, empregada de meus amigos, sempre simpática com os visitantes, foi assaltada e assassinada ao sair de casa para o trabalho. Foi no Jardim Ingá, na periferia de Brasília. Esfaqueada para lhe tirar a vida e levar a bolsa com a carteira de trabalho, a identidade e uns poucos reais para pagar o ônibus. Vão ter que controlar também as facas, enquanto não descobrirem que não é a arma — o revólver, a pedra, o pau, a faca — mas o cérebro que mata. Autores de uma nota da Associação de Juízes de Minas escreveram que a causa são as diferenças sociais. Como assim, se os pobres é que mais são assaltados e mortos? Ser criminoso é questão de caráter. Pobres são honestos e têm desvios; ricos são honestos e têm desvios. Há desvios entre juízes, advogados, jornalistas, empresários, médicos, policiais — e não é por ter mais ou menos posses; é por ter mais ou menos padrão de conduta. Para os que se desviam deveria haver a punição da lei, para segregá-los. Assaltante preso não assalta; assaltante solto continua roubando e matando, como na última saidinha de Natal.

Para o noticiário, Guel foi apenas mais uma vítima, na rotina brasileira, na vizinhança do crime, da violência, da maldade, da falta de caráter. Direitos humanos, onde estais? Onde estão o direito de ir e vir, de trabalhar, à vida, à propriedade? O Equador passa pelo Brasil — geograficamente e por semelhança.  Corta o Brasil no norte, e corta corpos brasileiros nos assaltos, mas também na corrupção, nos assassinatos, nas lavagens de dinheiro, nos fuzis das facções, nos desvios das estatais, nas vendas de sentenças, nas omissões, no fracasso das leis penais e dos seus agentes. Sofremos mais de 30 mil homicídios num ano; Equador tem nove mil. Em números absolutos, estamos há anos numa triste liderança no mundo — entre os três países com mais homicídios. E o problema não é apenas de assassinatos, mas assaltos e corrupção. A legislação leniente traz a mensagem de que o crime compensa. Combatemos o crime com declarações grandiloquentes de políticos, enquanto os criminosos inflam seus domínios.

No Equador, o crime se misturou com a política, a ponto de a chefe do Ministério Público afirmar que há uma narcopolítica. Por aqui também há disso, com a influência do crime nas eleições de prefeitos, vereadores e congressistas. A costa do Equador tem o domínio das facções; aqui há muitos "portos" clandestinos nas margens do Lago de Itaipu e na costa atlântica, sem contar com as estradas do contrabando na nossa fronteira seca oeste. No Rio, há territórios liberados, santuários das milícias e das facções de drogas. O tráfico e suas facções já estão até na Amazônia, com ligações no exterior e no sul do país. De norte a sul, vamos imitando os cariocas, que foram se adaptando, se adequando, se aculturando, nessas últimas cinco décadas, enquanto o crime no Rio substituía o revólver pelo fuzil e a metralhadora .50.

No próximo dia 1º, um ex-ministro do Supremo, sem currículo em segurança pública, vai assumir o Ministério que, de fato, não é da Justiça, mas é da Segurança Pública. O que poderá ele fazer, além da declaração de que vai combater o crime? Como a Colômbia passou nos anos 80 e o México nos anos 90, e o Equador agora, o Estado brasileiro apenas vai assistindo à expansão do crime, que já tem territórios, tem presídios, tem políticos e até tem influenciadores que detestam a polícia e adoram essas "vítimas da sociedade" — como o assaltante que enfiou a faca no coração da Guel, que saía para o trabalho.

 

 

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