O Ministério das Relações Exteriores anunciou, ontem, que o brasileiro Thiago Allan Freitas, sequestrado na cidade portuária de Guayaquil, ao sul de Quito, foi libertado pela polícia. As informações são de que o empresário está bem.
Horas antes, o Itamaraty havia confirmado o sequestro, cometido por criminosos comuns que se aproveitam da onda de violência deflagrada por facções ligadas ao tráfico de drogas internacional.
Desde terça-feira, parentes de Freitas pediam, pelas redes sociais, ajuda para pagar o resgate. Segundo informes da embaixada brasileira na capital equatoriana, ele foi vítima do que se costuma chamar de crime de oportunidade, sem ligação com os cartéis de drogas que operam a partir do Equador.
Na manhã de ontem, o presidente do Equador, Daniel Noboa, promoveu uma reunião com embaixadores e encarregados de negócios dos países que mantêm representações diplomáticas em Quito para atualizar as informações oficiais sobre os ataques patrocinados por facções criminosas em várias cidades do país, reforçando que a crise é "uma situação excepcional", que será resolvida pelas forças de segurança do país. O Brasil foi representado pelo encarregado de negócios Afonso Nery, que substituiu o embaixador Pompeu Andreucci Neto.
Freitas toca um pequeno negócio em Guayaquil, uma churrascaria voltada ao atendimento em domicílio. Segundo Nery, o comerciante foi levado por bandidos quando saía de uma revenda de automóveis na cidade portuária. Logo depois, ele ligou para os filhos avisando que havia sido sequestrado e que os criminosos exigiam US$ 8 mil (cerca de R$ 40 mil) para libertá-lo, quantia que caiu pela metade em outra ligação.
Pelos valores, a polícia equatoriana trata o caso como crime de oportunidade, em que bandidos comuns, sem vínculo com organizações criminosas, se aproveitam de uma situação excepcional para praticar delitos. "Nenhuma grande facção ou cartel de drogas faria um sequestro desse tipo envolvendo valores tão baixos", disse um diplomata ouvido pelo Correio.
No início da manhã de ontem, com as notícias dos ataques em Quito e outras cidades importantes do Equador, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, foi ao Palácio da Alvorada para deixar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a par da situação. O chefe do Executivo se mostrou preocupado com a escalada da violência e com possíveis consequências aos brasileiros que estão naquele país.
A atenção do Itamaraty está voltada, principalmente, à situação dos que residem no Equador, uma comunidade relativamente pequena, de cerca de 3,5 mil pessoas, segundo dados de 2020 (os últimos disponíveis). Por enquanto, não chegou nenhum pedido de ajuda à embaixada em Quito. O governo não sabe, porém, quantos brasileiros estão no país em viagem de turismo.
O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), pediu ao Itamaraty que organize uma operação de repatriação para trazer de volta brasileiros que estejam em risco diante da onda de violência. O senador se reuniu com o ministro Mauro Vieira.
Para a chancelaria brasileira, essa seria uma ação relativamente simples, se comparada com outras operações do gênero, como a que resgatou brasileiros em Israel, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza após os ataques terroristas do Hamas a cidades israelenses e a brutal reação das Forças Armadas de Israel ao enclave palestino.
Com relação aos turistas, a preocupação é menor, porque o governo equatoriano mantém abertos portos, aeroportos e postos de fronteira. Fontes do Itamaraty asseguraram que, se houver demanda, não haverá dificuldades para repatriar os brasileiros interessados em retornar ao país.
Fronteiras
A crise da segurança pública no Equador, provocada pelos ataques de facções criminosas, deve reforçar as negociações entre os países da América do Sul para integrar os esforços de combate aos crimes transnacionais.
O tema é tratado pelo Ministério da Justiça desde 2022, quando reuniu, em Brasília, ministros homólogos dos países vizinhos para criação de um fórum permanente e de uma força-tarefa internacional com o objetivo de combater o crime organizado que controla o tráfico de drogas e de armas no subcontinente.
Ao Correio, o chanceler Mauro Vieira disse, depois de se encontrar com Lula, que "o combate ao crime organizado transnacional é uma das prioridades da retomada do diálogo político na América do Sul, lançada pelo presidente Lula logo que assumiu o cargo". Ele lembrou que "o Consenso de Brasília contempla essas preocupações" e que "episódios como esse vivido pelo Equador deixam clara a urgência dessas questões, e a integração para enfrentar essas ameaças é indispensável".
Em maio do ano passado, depois de nove anos de relações frias, sem diálogos de alto nível, o Brasil promoveu um grande encontro com praticamente todos os chefes de Estado da América do Sul para tratar de assuntos de interesse comum.
Um dos principais temas da pauta foi, justamente, o combate ao crime transnacional e a necessidade de integração dos serviços de inteligência e das polícias. Uma das reuniões mais importantes que precederam a cúpula dos presidentes foi entre chanceleres e ministros da Defesa de todos os países para tratar da segurança nas áreas de fronteira.
Em meio aos acordos do fórum, listados no documento Consenso de Brasília, está o compromisso de promover, "desde já, iniciativas de cooperação sul-americana em áreas que dizem respeito às necessidades imediatas dos cidadãos", entre elas, "defesa, segurança e integração de fronteiras, combate ao crime organizado transnacional e segurança cibernética".
Apesar de não fazer fronteira com o Brasil, o Equador também é um país amazônico, e as facções criminosas usam a floresta para transportar armas e drogas e também financiam a exploração ilegal de ouro em toda a região.
Ontem, em um breve comunicado oficial, os países-membros do Mercosul condenaram "veementemente os atos de violência perpetrados por grupos relacionados ao crime organizado transnacional que afetam a segurança interna do Equador" e deram "respaldo irrestrito à institucionalidade democrática desse país, no marco do respeito aos direitos humanos".
Na terça-feira, ao anunciar medidas de caráter permanente de proteção à Terra Indígena Yanomami, em Roraima, Lula determinou aos ministérios da Defesa e da Justiça que preparem, em 30 dias, um plano específico de fiscalização de fronteiras voltado à repressão do garimpo ilegal e ao contrabando de armas e drogas.
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