Os ataques dos golpistas e a destruição perpetrada por vândalos contra obras de arte, telas, tapeçaria, esculturas e mobiliário nos prédios dos Três Poderes, no 8 de janeiro, exigiram a entrada em cena de um profissional que trabalha em silêncio, de maneira meticulosa e delicada e com movimentos precisos. Um proceder que está na outra ponta, no extremo da brutalidade, ignorância e estupidez vistas na ação de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O restaurador Marcos Antônio de Faria, gerente de Preservação e Restauração do Supremo Tribunal Federal (STF), tem uma história para contar nesse episódio. Ficou sob a responsabilidade dele e de sua equipe a restauração de 116 itens, como 22 esculturas, entre bustos, estatuetas, crucifixo do plenário e a simbólica estátua A Justiça, do artista Alfredo Ceschiatti, em frente à sede do STF.
Dos mais destruídos, entre os prédios invadidos pela horda bolsonarista, o edifício do tribunal recebeu desses profissionais o atendimento à altura, e foi impresso um ritmo veloz de trabalho. A grande maioria do que foi vandalizado está recuperado.
O relato de Faria é naturalmente rico de detalhes, como requer sua missão e de seus colegas. "O primeiro momento foi de salvamento, de recolhimento de cacos. Fomos aos poucos fazendo o trabalho de restauração. Alguns deram mais trabalho, porque houve perda de material, sumiu parte do mobiliário", explica. "A gente não conseguiu juntar todas as partes. Uma mesa, que fica no Salão Nobre, exigiu um trabalho maior por isso."
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Marcas
É de se imaginar a missão de uma equipe de profissionais que precisou restaurar o tampo de mármore de uma mesa, praticamente esfacelada.
"Surgiu a dúvida da recuperação ou da reconstrução. Devido a seu valor histórico seria adequada a restauração. Ficou com marcas, que dá para ver quando pega luz rasante. Dá para ver as emendas. Esteticamente, foi feito o melhor possível", conta o restaurador.
A exposição de objetos e peças — mesmo fragmentadas, pela metade, com defeito e visivelmente descaracterizadas do original — é um ponto comum no STF, no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional. Expor a destruição é contar a história, na crença de que não se repita. Na Câmara, esses objetos detonados pelos golpistas ganharam a "função social de testemunhas".
O Supremo criou seus pontos de memória, onde as peças danificadas são expostas, com seus fragmentos e os vestígios físicos dos ataques raivosos de um grupo de intolerantes truculentos. Estão à mostra na maior área de circulação de pessoas. O Hall dos Bustos, dedicado a figuras da História do país, também foi alvo do vandalismo. Ali é um desses pontos de memória. O busto de Rui Barbosa foi exposto mesmo com um afundamento.
"Os pontos de memória não são para ficarmos remoendo, mas para servir de memória e para nos reerguer. Para a primeira sessão plenária do ano, em 2 de fevereiro, tivemos o prazo exíguo entre 15 e 20 dias, para fazer toda a restauração dos itens do mobiliário, os bustos, as próprias bases de mármore", diz. "Atendemos ao pedido da então presidente, Rosa Weber, de recuperação para a realização da sessão, que ela não abriu mão", acrescenta, em relação à ministra, que se aposentou no fim do ano passado.
Dedicação
Marcos Faria coordena uma equipe de seis restauradores. Precisou da dedicação e do talento de cada um. O time, ainda que enxuto, deu conta do recado.
"São acervos históricos, que vieram da antiga capital, o Rio de Janeiro. Muita coisa de artistas da época. Tivemos que trabalhar de forma muito rápida e com expertise e conhecimento de técnicas diversas", destaca o especialista.
A quebradeira generalizada promovida pelos vândalos exigiu dos profissionais muito mais do que já fazem no dia a dia, de manutenção e restauração. Os objetos e peças foram destruídos, quebrados, esfacelados em milhares de pedaços, roubados.
"Por isso a importância desses pontos de memória, para trazer sempre e lembrar o que ocorreu. Estamos trabalhando em defesa da Constituição, do direito das pessoas de acessarem o patrimônio, não só do STF, mas dos outros também", enfatiza Marcos Faria. "São histórias que fazem parte da vida do país. Uma cadeira ali não é só uma cadeira. Tem sua representação. Pertence à sociedade."
Ele afirma ter a percepção de que o ocorrido naquele 8 de janeiro aflorou o interesse da sociedade pelo patrimônio histórico e cultural. "Porque também entenderam que isso tudo não é de ninguém em particular, não. É do povo. Está sob a responsabilidade do Senado, do STF e do Planalto, mas não pertence a esses Poderes", ressalta o especialista.
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