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Evangélicos irritados: nova barreira a transpor pelo governo

Parte dos deputados religiosos ficou incomodada com a possibilidade de pastores serem taxados para a contribuição social. Mas há parlamentares que congregam a mesma fé que não considera o pagamento de impostos um pecado

Deputada Benedita da Silva (PT-RJ) -  (crédito: Mario Agra/Câmara dos Deputados)
Deputada Benedita da Silva (PT-RJ) - (crédito: Mario Agra/Câmara dos Deputados)

A Frente Parlamentar Evangélica promete tirar o sossego do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a partir da retomada das atividades parlamentares. No centro do descontentamento da FPE está o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) da Receita Federal, que possibilita a cobrança dos 20%, a título de contribuição patronal previdenciária, sobre valores recebidos por líderes religiosos das igrejas.

A medida coloca o governo entre o esforço de reduzir incentivos tributários e a necessidade de se aproximar dos evangélicos, que vêm, majoritariamente, se posicionando contra Lula. A ADI gerou um ruído tão grande que, antes do fim do recesso, Haddad e o secretário-especial da Receita, Robinson Barreirinhas, convidaram representantes da FPE — incluindo o presidente, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) — para discutir o assunto.

"É muito ruim ter sido suspensa (a isenção) sem diálogo com o segmento religioso ou com o Congresso. Mas quem garante o direito (de isenção) é a lei, e ela permanece vigendo", disse Silas ao Correio. Para o deputado, não existe a possibilidade de haver a cobrança, pois as igrejas gozam de imunidade tributária e, independentemente da decisão da Receita, isso seguirá valendo.

Preconceito

O encontro, porém, não acalmou a FPE — alguns dos seus integrantes disseram que a reunião com Haddad não foi com o grupo, mas apenas com alguns parlamentares evangélicos. Entre os integrantes da frente, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) tem sido uma das vozes críticas ao governo, ao qual acusa de promover uma "perseguição ao povo evangélico". Ele disse ao Correio que elaborou um pedido de convocação de Haddad para dar explicações sobre as reiteradas "fake news", conforme definiu, que tem divulgado.

"O ministro está querendo fazer uma politização que não vem de uma questão técnica. Quer colocar na conta de Bolsonaro, e pior, na conta dos pastores. É fake news o que está fazendo, não há nenhum benefício para os pastores. A decisão da Receita só servia para evitar multas indevidas. Ele demonstra preconceito. Se fossemos respeitados pelo governo, teríamos sido consultados antes dessa medida", disparou Sóstenes.

O parlamentar questionou a liderança de Silas Câmara e a ida à reunião com Haddad. E ressaltou que, no próximo dia 7, um correligionário, o deputado Eli Borges (PL-TO), assume a presidência da FPE. Com essa nova direção, o grupo, "deixa ser orientado por um parlamentar que está na base do governo". "Quem criou e inventou o problema foi o governo, não nós", desafiou.

Para a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), fundadora da FPE, as igrejas devem, sim, ser beneficiadas pela isenção fiscal, como definido na Constituição. Mas, para ela, isso não se estende aos líderes religiosos, que devem pagar impostos como qualquer cidadão.

"Isso está em Mateus 17, na Bíblia. Os impostos sempre foram pagos, desde Moisés. Certa vez, chegaram para Jesus e perguntaram se era lícito pagar a Cezar. Jesus pediu a moeda e perguntou de quem era a cara na moeda. Lhe disseram que era Cezar. Ele disse: 'Dê a Cezar o que é de Cezar e dê a Deus o que é de Deus. Enquanto cidadãos, temos o dever de pagar impostos. Pagamos em cima do salário que recebemos. Todo mundo faz isso e não acho que seja uma coisa injusta. Pagar impostos sobre o salário do pastor é uma coisa; pagar imposto sobre as arrecadações da igreja, isso é bitributação, já que pagamos impostos com os nossos salários", explicou.

Parte dos evangélicos contesta a possibilidade de exigir o pagamento da contribuição previdenciária patronal ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de 20% do salário, sobre os valores recebidos das igrejas pelos líderes religiosos como forma de subsistência. Esse valor é conhecido como prebenda (no meio evangélico) e côngrua (no católico). A questão é se o ganho seria salário.

Segundo o governo federal, estudos apontam que a equiparação desses valores a salário injetaria no caixa da União até R$ 300 milhões por ano. Líderes evangélicos dizem que a cobrança é indevida, pois atuam como autônomos e recolhem os tributos dessa forma. Mas, como prestam esses serviços usualmente, e sempre para a mesma organização, a Receita entende que os valores são uma forma de salário.

A ADI alterou uma norma de 2022 — que beneficiava as igrejas ao estabelecer que as prebendas não poderiam ser tratadas como salário pela Receita. A medida do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro é analisada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mas não a julgou.

 

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postado em 29/01/2024 03:55
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