Luiz Gonzaga, o grupo Lanceiros Negros, Abdias do Nascimento e Dorina de Gouvêa Nowill. Esses são os novos nomes que acabam de compor o time de heróis da Pátria junto a outras 80 personalidades, entre elas Tiradentes, Anita Garibaldi, Zumbi dos Palmares e Chico Xavier, importantes para a cultura e história brasileira no Livro de Aço, espaço de homenagem a personagens que tiveram papel fundamental na defesa ou construção do país.
Abrigado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, o Livro de Aço recebe esse nome pois é, de fato, formado por páginas de aço. Idealizado em 1992, o livro agrupa grandes nomes do Brasil, protagonistas que se dedicaram pela liberdade e democracia do país durante a história.
Na visão do gerente do Centro Cultural Três Poderes e Espaço Oscar Niemeyer, Rafael Rangel Soffredi, o livro representa uma forma de trabalhar com a memória do povo brasileiro, de materializar a memória popular. "Quais são as histórias, quais são os personagens que você quer que fiquem marcados na história?", indaga.
A inclusão de novos nomes no grande acervo brasileiro depende da contribuição para a defesa e construção do Brasil, com excepcional dedicação e heroísmo, segundo a Lei 11.597, de 29 de novembro de 2007. Os nomes empossados no livro devem seguir a regra de serem listados, no mínimo, após 10 anos da morte ou da presunção de morte do homenageado.
Rangel considera de extrema importância quando o Congresso aprova e o presidente promulga os nomes escolhidos para fazerem parte do livro. "Nós temos muitos militares no livro, mas também temos pessoas que foram escravizadas, indígenas, então tem uma diversidade bastante grande de personalidades", explica.
"Ultimamente a gente tem tido uma entrada ainda maior de heróis populares. No início, a gente teve bastante heróis militares, mas com o passar do tempo houve um entendimento de que não necessariamente só os militares são heróis, que muitos heróis vem do povo. Isso é importante justamente pela história que a gente quer contar", afirma o gerente, ao Correio.
A inclusão dos novos nomes relembra a importância de sempre manter viva a memória brasileira. Para a historiadora formada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Raquel Matoso, esse reconhecimento possui um papel crucial ao preservar a história de personagens importantes para o país, proporcionando uma plataforma para diversas narrativas. "Ao abordar perspectivas anteriormente negligenciadas, essas obras contribuem para uma compreensão mais completa e autêntica da história, reconhecendo o protagonismo e as ações do povo", explana.
"Este processo desafia as narrativas históricas tradicionais, frequentemente centradas nos interesses da elite, permitindo que a sociedade repense sua identidade e compreenda mais profundamente sua trajetória histórica. Esse momento simbólico valida a luta por reescrever parte da história, inserindo-nos nela de maneira mais justa e inclusiva", crê a estudiosa.
Em sua compreensão, a inclusão de novos nomes dão espaço de destaque para figuras que muitas vezes foram marginalizadas ou esquecidas dos registros oficiais. "Ao incluir protagonistas de diferentes grupos sociais e étnicos, as nomeações permitem uma visão mais abrangente e representativa da história nacional", destaca.
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As nomeações oficializadas agora destacam a importância de atualizar e reconhecer novos agentes de mudanças populares. "Eles enfrentaram e superaram barreiras de preconceito e diferenças socioeconômicas, contribuindo para uma nação mais justa e igualitária. Abdias do Nascimento, por exemplo, exemplificou esse papel ao criar o Teatro Experimental do Negro e atuar como ativista e parlamentar", diz Matoso.
"Em suma, ao memorizar e celebrar esses indivíduos e grupos, as nomeações ampliam a perspectiva histórica, reconhecendo a diversidade de vozes e ações que moldaram a identidade brasileira para além dos lugares comuns. O próprio livro de ferro é pouco conhecido e sua popularização permite que as gerações futuras compreendam a riqueza e complexidade da identidade nacional", finaliza a historiadora Raquel Matoso.
Conheça as novas personalidades:
Luiz Gonzaga
O "Rei do Baião", Luiz Gonzaga do Nascimento, foi uma das personalidades mais influentes no cenário cultural e musical nordestino. Responsável pela popularização do forró, xote e baião no país, o sanfoneiro foi cantor, compositor, músico e desempenhou papel importante dentro do cenário musical brasileiro. Seguindo os passos de seu pai, Januário José dos Santos do Nascimento, um roceiro e sanfoneiro, começou a carreira musical por volta de 1939, no Rio de Janeiro. Entre suas maiores composições está Asa Branca, canção de 1947, em parceria com Humberto Teixeira. Considerada como hino nordestino, sua letra reflete sobre a seca e conta com frases como "espero a chuva cair de novo pra mim vortar pro meu sertão".
Lanceiros Negros
Conhecidos como os Lanceiros Negros, o grupo de homens escravizados que lutaram na Revolução Farroupilha (1835-1845), no Rio Grande do Sul, contra as tropas imperiais ao lado dos revolucionários em busca de liberdade e igualdade é um grupo importante para a história brasileira, homenageados no Livro de Aço. O grupo integrava o exército republicano farrapo e tinha a promessa de alforria como motivação, caso ganhassem no fim das batalhas. Durante a Batalha de Porongos, em 14 de novembro de 1844, no atual município de Pinheiro Machado, fronteira com o Uruguai, os Lanceiros foram desarmados e perderam mais de 100 pessoas para o exército imperial, que atacou à noite.
Abdias do Nascimento
Defensor da cultura e dos direitos das populações afrodescendentes, Abdias do Nascimento foi um artista, professor, político e ativista dos direitos humanos no Brasil, homenageado no Livro de Aço em 2023. No cenário educacional do país, Abdias dá nome à principal política de ações afirmativas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que desempenha papel na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todo o Brasil. Mantida pela Fundação em parceria com a Secretaria de Educação continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC), o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento foi criado em 2013.
Dorina de Gouvêa Nowill
Dorina de Gouvêa Nowill foi uma educadora que lutou pela educação, acessibilidade e direito das pessoas com deficiência visual. Nowill ficou cega aos 17 anos em decorrência de uma doença não diagnosticada. Mesmo após a perda de sua visão, sua vontade de aprender não acabou. Apesar das limitações decorrentes da sua deficiência, concluiu o curso de preparação de professoras, em 1943. Assim, foi a primeira estudante cega a frequentar um curso regular do país. Inspirada por suas próprias experiências, utilizou de sua vivência como pessoa com deficiência para elaborar meios e maneiras de superar as dificuldades pela falta de inclusão.
*Estagiária sob supervisão de Renato Souza
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