Com uma reforma ministerial no radar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prevista para acontecer ainda em janeiro — cedendo ainda mais lugares na Esplanada em troca de apoio parlamentar —, o petista busca aplicar velhas fórmulas a novos cenários, como analisam especialistas. Lula reconheceu, em discurso no último Natal dos Catadores, no fim do ano pasado, que o seu governo "não tem maioria" no Congresso.
O cenário no início de 2023 não era favorável e, ainda na medida provisória (MP) que organizava os ministérios, o Centrão enviou sua mensagem. Para demonstrar a necessidade de articulação por parte do governo, o relator Isnaldo Bulhões (MDB-AL), entre outros pontos, esvaziou a pasta dos Povos Indígenas, devolvendo a atribuição de demarcação de territórios à Justiça e Segurança Pública; retirou a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a passou para a pasta da Integração e Desenvolvimento Regional; além da gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que saiu da pasta de Marina Silva e foi designada para a do Desenvolvimento Agrário.
O presidente fez sua primeira alteração no Turismo, removendo Daniela Carneiro, que, à época, estava de saída do União Brasil em direção ao Republicanos. Membro do grupo aliado, o União pediu o cargo de volta, e o deputado Celso Sabino (PA) tomou posse em 3 de agosto. O PP de Arthur Lira (AL) e o Republicanos, após meses de especulação, teriam seus ministros também. O líder do PP na Câmara, André Fufuca (MA), e o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) assumiram as pastas de Esportes e de Portos e Aeroportos, respectivamente, no dia 13 de setembro. Ana Moser também saiu frita de sua pasta. Rita Serrana, terceira mulher retirada, foi demitida da presidência da Caixa Econômica Federal para acomodar o aliado de Lira, Carlos Vieira Fernandes. Ele tomou posse no dia 9 de novembro.
O Correio analisou a distribuição partidária de votos favoráveis a matérias de interesse do governo ao longo do ano: a MP dos Ministérios, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, o arcabouço fiscal e o projeto de lei (PL) das offshores e fundos exclusivos.
Para o cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, ao analisar a distribuição de apoio, percebe-se que "o saldo foi zero, (o governo) nem ganhou nem perdeu com as mudancas". "Você vê, pela contabilidade, que muda marginalmente de um lado e de outro. Nesse Centrão — PP, União e Republicanos —, tem gente ali dentro desses partidos que é ideologicamente, programaticamente, contrária ao governo Lula. Há um limite para essas mudanças, essa dança de cadeiras que nós registramos."
"Dá uma certa margem de confiança, porque o governo tem o que falar. 'Olha, eu coloquei o seu pessoal aqui, vocês entregaram', cria esse discurso. Pelo menos, ponto para o Lula", avalia César.
O cientista político chama a atenção para essas mudanças do jogo político até mesmo naquilo que se entende por base. "O presidencialismo de coalizão, como a gente conhecia, não existe mais. Agora, é negociação ponto a ponto, voto a voto. É um outro tipo de abordagem e parece que o Lula começou a entender esse jogo."
O presidente tem investido na forma antiga de se fazer política, com cessão de cargos, emendas, negociadas, inclusive, pelo momento da liberação. A última eleição de 2022, no entanto, trouxe ao Congresso figuras diferentes daquelas a que Lula estava habituado. "Aquela dinâmica de base e oposição ficou muito prejudicada a partir do momento em que o poder Legislativo passa a desenvolver a sua própria agenda", analisa o cientista político Leonardo Barreto.
"Há algum tempo, o Executivo não tem mais aquela quantidade de instrumentos que tinha para poder barganhar com parlamentares e dominar a agenda. Na verdade, hoje a gente tem um Congresso muito empoderado pela detenção das emendas. Para se ter uma ideia, neste ano ele teve quase a mesma quantidade de emendas discricionárias do Executivo e isso vai se repetindo", completa.
O Orçamento de 2024, aprovado nos instantes finais do ano legislativo, estabeleceu um valor recorde de cerca de R$ 53 bilhões para as emendas parlamentares. De acordo com a plataforma do Senado, Siga Brasil, o marco anterior ocorreu em 2020, quando foram aprovados R$ 45,9 bilhões em emendas. Lula vetou o trecho que determina que o governo deve empenhar todas as emendas no primeiro semestre, com o pagamento até dezembro. Encabeçados pelo relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o deputado Danilo Forte (União-CE), parlamentares articulam derrubar o veto ao calendário.
"Ou seja, nem aquela negociação do timing de execução dos recursos — o que o Executivo ainda usou para negociar esse ano — ele vai ter mais. O apoio do Legislativo fica condicionado às pautas", comenta Leonardo.
Bolsonarismo
Para o analista, há outro componente que condiciona esta diferente entrega de apoio dos partidos. "Uma boa parte dessa base parlamentar eleita pelo Centrão saiu das urnas incensada pela marca (do ex-presidente Jair) Bolsonaro. Muitos ali eram apoiados e de estados muito bolsonaristas, e existe hoje, especialmente por causa das redes sociais, uma vigilância maior por parte dos eleitores em cima do comportamento dos deputados e senadores", avalia. "Você tem um recorte que é geográfico e ideológico, que faz com que, mesmo que deputados pertençam a partidos da base, eles não se arrisquem a votar com o governo, especialmente naquelas agendas que mobilizam muito o governo."
Nem mesmo o partido do ex-presidente pode dizer ser plenamente fiel aos interesses da legenda, evidenciado pelas brigas internas motivadas pelos deputados desgarrados que, em todas as votações apuradas pelo Correio, acabam distribuindo apoio aos textos caros ao governo. Isto ocorre porque, segundo o cientista político André César, o PL “recebeu todo tipo de gente, de todo perfil, desde bolsonarista raíz, como o Eduardo Bolsonaro, a Carla Zambelli e afins, mas também gente mais ao centro”. “Esse pessoal ao centro do técnico político ideológico, que está no PL, que vota com o governo”.
Ainda que o conflito entre Poderes tenha sido mais evidente entre o Legislativo e o Judiciário, as discretas tensões dos parlamentares com o Executivo ficaram evidenciadas em todas as votações no plenário. “É claro que se a gente observar depois da reforma ministerial, praticamente o governo não melhora a sua nota lá dentro do Congresso Nacional. Mostrando que hoje até essa questão dos cargos embora ela continue sendo importante, já não é mais determinante”, pontua Barreto.
Projeções para 2024
O Congresso é um termômetro dos estados e, com as eleições municipais de 2024 se aproximando, os partidos se preparam para tentar conquistar prefeituras. O PL fala em mil prefeituras, na tentativa de ofuscar um lugar ocupado tradicionalmente pelo MDB. Atualmente, o PSD lidera o ranking municipal, com 968 prefeituras; seguido pelo MDB, com 854; e o PP, com 712.
“Vai ser uma coisa bastante complicada. Vai depender muito do estado da economia no segundo semestre de 2024, e a partir daí, se essa oposição via PL avançar, conseguir realmente atingir os objetivos, vai complicar o cenário para 2026. Vai ser importante isso, principalmente nos grandes centros: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte. Qualifico as eleições municipais do ano que vem como as mais importantes das últimas décadas no país, porque vão realmente desenhar o cenário para 2026”, opina o cientista político André César.
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Nem mesmo o partido do ex-presidente pode dizer ser plenamente fiel aos interesses da legenda, evidenciado pelas brigas internas motivadas pelos deputados desgarrados que, em todas as votações apuradas pelo Correio, acabam distribuindo apoio aos textos caros ao governo. Isto ocorre porque, segundo o cientista político André César, o PL “recebeu todo tipo de gente, de todo perfil, desde bolsonarista raíz, como o Eduardo Bolsonaro, a Carla Zambelli e afins, mas também gente mais ao centro”. “Esse pessoal ao centro do técnico político ideológico, que está no PL, que vota com o governo”.
Ainda que o conflito entre Poderes tenha sido mais evidente entre o Legislativo e o Judiciário, as discretas tensões dos parlamentares com o Executivo ficaram evidenciadas em todas as votações no plenário. “É claro que se a gente observar depois da reforma ministerial, praticamente o governo não melhora a sua nota lá dentro do Congresso Nacional. Mostrando que hoje até essa questão dos cargos embora ela continue sendo importante, já não é mais determinante”, pontua Barreto.
Projeções para 2024
O Congresso é um termômetro dos estados e, com as eleições municipais de 2024 se aproximando, os partidos se preparam para tentar conquistar prefeituras. O PL fala mil prefeituras, na tentativa de ofuscar um lugar ocupado tradicionalmente pelo MDB. Atualmente, o PSD lidera o ranking municipal, com 968 prefeituras; seguido pelo MDB, com 854; e PP, com 712.
“Vai ser uma coisa bastante complicada. Vai depender muito do estado da economia no segundo semestre de 2024, e a partir daí, se essa oposição via PL avançar, conseguir realmente atingir os objetivos, vai complicar o cenário para 2026. Vai ser importante isso, principalmente nos grandes centros: São Paulo, Rio, BH. Qualifico as eleições municipais do ano que vem como as mais importantes das últimas décadas no país, porque vão realmente desenhar o cenário para 2026”, opina o cientista político André César.
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