Na linha de frente contra os ataques extremistas do 8 de janeiro, o policial legislativo Adilson Ferreira Paz coordenou a resistência à invasão da Câmara dos Deputados naquela tarde de domingo. É o relato de quem enfrentou a violência dos bolsonaristas que, segundo ele, estavam preparados e sabiam o que estavam fazendo.
Adilson Paz se orgulha de, junto com seus colegas, ter conseguido preservar o plenário Ulysses Guimarães, onde os 513 deputados se reúnem para as votações principais e local também de sessões do Congresso Nacional, que reúne ainda os senadores. "Foi o único plenário, dos três palácios invadidos, que foi preservado. Uma vitória e um orgulho para nós", aponta.
O policial relata ainda que foram três horas de confronto muito intenso, e que esses manifestantes estavam portando estilingues com disparos de bola de gude, rojões e barras de ferro. "E usavam táticas de guerrilha, até com cordas de rappel, que utilizaram". Confira a seguir trechos da entrevista.
Como foi o enfrentamento com os vândalos naquele 8 de janeiro? Você acabou se tornando também uma testemunha privilegiada.
O 8 de janeiro acabou virando uma data memorável. Estávamos com nossa linha preparada, com policiais na rampa e na cúpula, quando o grupo começou a descer. Não sabíamos o tamanho dessa força. Eles romperam a linha da Polícia Militar e, em 20 segundos, chegaram até nós. Usamos nosso equipamento químico, granada de efeito moral e gás lacrimogêneo. Não surtiu efeito, era uma área muito grande. Eles vieram preparados, em três frentes, Câmara dos Deputados, Congresso e Senado. Já sabiam exatamente o que queriam fazer. Literalmente atropelaram nossos escudeiros de produto químico, atacaram e invadiram nossa fachada, que foi toda quebrada. Entraram quebrando tudo.
E que medidas tomaram diante desse quadro, com a invasão iminente?
Neste momento, acionei nossa central e avisei que todos policiais seguissem para o plenário, a área mais estratégica e que simboliza nossa democracia. Íamos permanecer no plenário, nosso ponto principal. E chegaram centenas de pessoas, e podemos perceber que era um grupo um pouco diferenciado das outras manifestações. Estavam preparados e sabiam exatamente o que fazer. Trouxeram cordas, fizeram rappel e acessaram o Salão Verde. Ficaram muito violentos porque encontraram resistência. Tentamos negociar, mas não tinham uma liderança única, o que era mais complicado.
Uma vez invadido o Salão Verde, como vocês procederam diante da fúria dos bolsonaristas?
Fomos tentando acalmá-los. Queriam a todo momento acessar nosso plenário e falavam que estavam com explosivos. Foi um momento tenso. Tentaram atear fogo no plenário, não conseguiram. Invadiram a liderança do PT e atearam fogo lá. Conseguimos apagá-lo, esse e outros focos. Eles estavam com pedras, barras de ferro, estilingues de bolas de gude e rojões. Jogaram contra nossas linhas. Não sabíamos se estavam armados. Não recorremos às nossas armas de fogo, letais.
Quanto tempo durou esse confronto?
Foram três horas de confronto muito intenso. Se eles fossem um grupo qualquer não conseguiriam ficar confinados aqui (no Salão Verde). Eram treinados, com máscara antigás e usavam tática de guerrilha. Usavam cordas e conheciam pontos de acesso, conheciam o alçapão que dá nas galerias. Só não entraram no plenário porque temos uma porta antitumulto, que conteve os manifestantes.
Você fala com muito orgulho de terem conseguido preservar o plenário. Imagine a destruição de um espaço para mais de 500 deputados.
Sim, nosso orgulho maior. Foi o único plenário, dos três palácios invadidos, que ficou intacto. Conseguimos contê-los. Mesmo com o Salão Verde lotado, com centenas de manifestantes loucos e ensandecidos, conseguimos, com nossas linhas, segurá-los e confiná-los. Para gente, foi, de fato, muito simbólico. Uma vitória. Perdemos outros acessos, mas o ponto principal nós preservamos. Foi preservar a democracia.
Acredita que algo dessa natureza possa se repetir?
Espero que não. Todos os órgãos policiais estão preparados para o pior. Se um está preparado para o pior, o que ocorrer será respondido à altura.
Você já chegou a falar de risco de morte que houve naquele episódio. Difícil ver aquelas imagens e imaginar que não teve nenhum registro nesse sentido.
Foi, de fato, um sucesso não ter ocorrido nenhuma morte, nem do lado dos manifestantes nem do lado da Polícia Legislativa. Para nós, foram momentos muito fortes. Os relatos são fortes. Fui policial militar por 13 anos e estou aqui na Câmara há quase 13 anos também e nunca tinha vivido momentos tão tensos. Não esperávamos que ocorresse daquela forma.
O que fica daquela história para você, depois de um ano dos ataques golpistas aos Poderes da República?
Fica que é importante a gente não esquecer o 8 de janeiro de 2023 por tudo o que aconteceu. Hoje, digo que tenho muito orgulho da Polícia Legislativa, por ter realmente feito frente a uma manifestação daquele tamanho. Tudo serve como aprendizado. O 8 de janeiro é um dia para nunca mais esquecer, que a democracia esteve em risco. Por isso, esse orgulho de termos preservado o plenário Ulysses Guimarães.
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