Neste ano, o presidente do Brasil visitou 26 países e ficou 62 dias fora. No balanço, essa política externa viajante parece ter gerado mais desgaste do que ganhos. Em Buenos Aires, em entrevista à Rádio Mitre, Bolsonaro criticou as excursões internacionais de Lula, dizendo que, se voltar a ser presidente, vai nomeá-lo ministro do Turismo. Deve ser difícil para Lula engolir a ironia, que leva a uma inspeção de bagagem de política externa em tanta viagem.
A primeira observação é sobre a opção preferencial a governos autoritários. Países em que o arbítrio abafou a democracia. Houve apoio explícito a esses governos e sistemas políticos. A argumentação do presidente sobre China e Venezuela, por exemplo, nem sequer é compreendida pelo seu próprio público. E sem resultados práticos: o investimento estrangeiro em setores produtivos no Brasil caiu 23% até outubro.
Com dois meses de governo, Lula já criava tensão com o mais tradicional parceiro do Brasil, os Estados Unidos, ao autorizar que dois navios de guerra iranianos — uma fragata e um porta-helicópteros — fossem acolhidos no porto do Rio de Janeiro. Washington recomendou que não os acolhesse, argumentando que se trata de navios que facilitaram o terrorismo e tiveram sanções da ONU. Lula os recebeu às vésperas de visita oficial à Casa Branca. O Irã é parte do "eixo do mal", segundo o governo americano. Lula também contraria os Estados Unidos nas posições em relação a Cuba, Nicarágua e Venezuela.
Em maio, em Brasília, tentou limpar a imagem de Maduro na reunião de presidentes sul-americanos. Falou em democracia relativa e em defesa dos direitos humanos no governo Maduro, irritando até o socialista do Chile, Gabriel Boric. Um mês antes, havia sugerido que a Ucrânia cedesse a Crimeia para acabar com a guerra. Por meia dúzia de vezes defendeu uma governança global para cuidar da Amazônia, arrepiando os nacionalistas brasileiros. Provocou arrepios também nos que prezam pela representação popular, ao pregar uma ordem supranacional para cuidar principalmente do clima, para que os acordos e tratados internacionais se imponham a decisões dos congressos nacionais. É a ideia da Nova Ordem Mundial.
Depois do ataque terrorista do Hamas, o governo brasileiro mostrou a mesma hesitação que agora demonstra ante as ameaças de Maduro contra a Guiana. Fica fácil perceber que o presidente não consegue esconder suas simpatias. E a Europa — principalmente a França — descobre agora que o Brasil tem um presidente que não condena agressores. Com isso, o acordo Mercosul-União Europeia vai pelo ralo. Com Milei, o Mercosul, pelo jeito, vai estagnar. Lula mandou marqueteiros para impedir a vitória de Milei, fato que o vencedor não vai esquecer. E não terá diálogo descontraído com Paraguai, Uruguai e Argentina. A vizinhança toda certamente esperava uma ação decisiva de Lula para esfriar as fanfarronices de Maduro, mas o que se vê é uma reação pastosa, sem assumir a responsabilidade de quem tem crédito com o vizinho belicoso.
Os áulicos propagaram que Lula poderia mediar o conflito Rússia-Ucrânia; que poderia mediar a liberação dos reféns do Hamas, e ajudar na questão Israel-Palestina. Tudo fácil de esquecer sem cobrar resultados, pois ficaria um perfume de pacificador. Agora, a questão está aqui, ao lado do Brasil, e Lula, em vez de ir pessoalmente a São Vicente e pôr Maduro contra a parede, manda Celso Amorim, como observador. Na prática, a dissuasão virá dos americanos, e o Brasil vai ficar observando a oportunidade passar.
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