O rompimento da mina 18 da Braskem, ontem, no bairro do Mutange, em Maceió, escancara a gravidade daquele que é considerado o maior desastre ambiental urbano do mundo e aumenta a pressão pela atuação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso no Senado Federal. A mina, em risco de colapso desde o fim de novembro, já estava desocupada, por isso não houve vítimas no momento do desastre.
O episódio expõe também as divergências entre duas das principais lideranças políticas do estado de Alagoas. Enquanto o senador Renan Calheiros (MDB), correligionário do governador Paulo Dantas, trabalhou pela criação da CPI, o deputado Arthur Lira (PP), presidente da Câmara, coligado com o prefeito de Maceió, José Henrique Caldas (PL), é acusado de conivência com a empresa petroquímica resultado da fusão da Petrobras com a Odebrecht.
Por isso, a semana parlamentar, mesmo com uma agenda carregada de votações, será intensa também no debate ao redor da CPI, marcada para ser instalada amanhã, no Senado. "Essa é uma tragédia anunciada. Todas as evidências apontavam para isso. Por essa razão a CPI, técnica e isenta, é indispensável, inadiável", disse o senador Renan.
Nas redes sociais, Lira afirmou estar monitorando "minuto a minuto" o desastre. "Já cobramos medidas técnicas eficazes, ações sociais e reparações financeiras para que Maceió e o povo atingido não sejam ainda mais prejudicados. Continuaremos em atenção", afirmou o presidente da Câmara, em seu perfil no X, antigo Twitter, sem, no entanto, tocar no tema da CPI.
No pingue-pongue do jogo político, estão milhares de vítimas que foram desalojadas de suas casas e milhões que amanhecem diariamente sobressaltadas com receio de novos tremores. Desde 2018, quando ocorreram os primeiros abalos, cinco bairros foram afetados, 14 mil imóveis foram desocupados, 55 mil pessoas foram realocadas, impactando aproximadamente 200 mil pessoas de forma indireta — por conta de fatores econômicos e sociais, como o fim do comércio, perda de emprego ou fechamento de escolas — segundo laudo elaborado pelo antropólogo Edson José de Gouveia Bezerra, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
"A população está fortemente abalada. Não existe mais vida saudável nem segura nessa cidade. Não se senta na mesa do café da manhã, almoço ou jantar para falar de outro assunto que não sejam as minas da Braskem ", desabafa Maurício Sarmento, coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB). "Desde o início do colapso, em 2020, a prefeitura ou a defesa civil não apresentou um plano de evacuação das áreas remanescentes. Nada", acrescentou.
Descaso
São vários os movimentos de vítimas da Braskem, que vêem na CPI a oportunidade de expor a gravidade da situação e o "descaso" com que o tema é tratado pela empresa e pela própria prefeitura de Maceió. "Nós queremos deixar a Braskem nua. Vamos revelar tudo o que estamos vivendo desde que decidimos combater o descaso da prefeitura e da defesa civil em Alagoas", disse Sarmento.
Causou indignação o fato de a empresa aprovar, em sua Assembleia Geral, a elevação do salário de seus diretores em 44%, em meio à crise que mexeu com toda a população.
Enquanto o salário dos nove diretores e dos 11 conselheiros deve chegar a R$ 85,5 milhões neste ano, a indenização paga pela empresa às vítimas até outubro chegou a R$ 3,8 bilhões, o que dá um valor líquido para cada residência perdida de R$ 113,5 mil. Em carta aberta, o movimento ressaltou que, hoje, o valor máximo do imóvel que pode ser comprado pelas famílias com renda que varia entre R$ 4,4 mil e R$ 8 mil (faixa 3) no programa Minha Casa, Minha Vida, é de até R$ 350 mil em todos os estados, "ou seja, o que a Braskem está pagando a título de indenização por imóvel destruído por ela corresponde a 32,45% do valor máximo do programa subsidiado pelo governo federal".
Já estava agendado para amanhã, às 9h, um encontro com o governador Dantas, que, com o agravamento da situação, se torna urgente, na avaliação de Jakson Douglas, outro coordenador do MUVB.
"O que houve (ontem) foi muito grave e nós não acreditamos que ficou só naquilo. A situação pode piorar. Não acreditamos nos dados da defesa civil, por isso esperamos que especialistas externos possam trazer informações mais concretas sobre o desastre", afirmou Douglas. "Agora, estamos aguardando respostas objetivas do governador do Estado. Não contamos com o prefeito e a defesa civil não tem crédito com a população", completou.
Alexandre Sampaio, coordenador da Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió, declarou que o movimento exige transparência dos dados sobre o rompimento. "Queremos os dados de interferometria, de movimentação do solo. Não adianta dizer que está tudo bem. não cola mais. Precisamos que haja transparência", desabafou.
Em entrevista coletiva, o prefeito de Maceió disse que o rompimento foi concentrado na região da mina 18 e "não há nenhum estudo que aponte que haverá um colapso de maior magnitude".
A CPI da Braskem não conta também com o apoio do governo, que receia o reflexo dos debates na Petrobras, segunda maior acionista da empresa. Por isso, o PT ainda não indicou seus integrantes. Até a última sexta-feira, nove dos 11 integrantes haviam sido indicados.
Procurada pelo Correio, a Braskem não falou sobre o assunto, optando por enviar uma nota dizendo que "segue colaborando" com as autoridades e monitorando os movimentos do solo.
Danos ambientais ampliados
Não apenas as famílias foram abaladas com o rompimento da mina 18, localizada no bairro do Mutange, em Maceió. Segundo os especialistas, como 60% da mina está na lagoa Mundaú, o sal-gema poderá provocar a morte de peixes. "A água está entrando na mina, que é uma mina de sal-gema de alta pureza. Em contato com a água, o produto pode ampliar a salinidade, matar os peixes e comprometer todo o bioma da lagoa", explicou o professor Dilson Ferreira, da UFAL, que vem acompanhando os estudos técnicos da área afetada pelas minas.
"O manguezal também está sendo tragado, houve uma erosão e água está entrando", salientou Ferreira. A perda dos mangues trará prejuízos para o ecossistema, uma vez que ele funciona como berço de reproduçãpo dos peixes, abrigo para os mariscos, especialmente o sururu. Como consequência, os catadores do marisco, certamente serão prejudicados em sua atividade econômica. Outra função do mangue é a captura do carbono, que é responsável pelo aquecimento climático.
Embora o prefeito de Maceió tenha dito, ontem, não haver risco de um colapso de maior magnitude, os especialistas apontam que as consequências ainda não são claras. "O que houve neste domingo (ontem), na verdade, é o início do rompimento. Esse processo é gradativo, ocorre primeiro o afundamento do solo, depois o colapso da mina, ela começa a romper aos poucos, gerando sismo, o tremor", afirmou Ferreira.
Irregularidades
O professor destaca que a mina, agora, está em "processo de rompimento", formando crateras. Segundo os geólogos que acompanham, a cratera poderá chegar a 100 metros de diâmetro por 15 metros de profundidade. "Só será possível saber quando se estabilizar a entrada de água."
Além disso, a região possui 35 minas muito próximas umas das outras e o rompimento da 18 pode começar o processo de afundamento de outras minas. "É possível haver um efeito em cadeia, os dados ainda estão chegando. A partir de agora todas as outras minas têm que ficar em estado de alerta", acrescentou o acadêmico.
O agravante, é que as minas foram construídas ao longo dos últimos 40 anos sem seguir as normas reguladoras. Uma das irregularidades é exatamente a distância entre uma mina e outra. Enquanto as normas apontam para um distanciamento mínimo de cem metros entre uma mina e outra, a Braskem construiu minas com dez metros de distância. Um processo movido pela Associação dos Empreendedores e Vítimas de Mineração em Maceió, mostra que a Braskem nunca fez um processo de licenciamento ambiental para a exploração das minas. "A Braskem nunca fez um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e nenhuma norma técnica foi obedecida", disse Alexandre Sampaio, presidente da associação.